Título: Médicos anunciam cura inédita de bebê com Aids
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Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2013, Mundo, p. 15

Tratamento antirretroviral iniciado 31 horas após nascimento reduz o vírus HIV a níveis indetectáveis

Uma equipe de infectologistas dos Estados Unidos anunciou ontem o primeiro caso de cura funcional da Aids, envolvendo uma menina de 2 anos e meio que nasceu com o HIV transmitido pela mãe. Não se trata de uma erradicação do vírus, mas sua presença é tão débil que o sistema imunológico do organismo está em condições de controlá-lo sem qualquer tratamento antirretroviral, explicaram os pesquisadores. A única cura total da Aids oficialmente reconhecida ocorreu com o norte-americano Timothy Brown, conhecido como "o paciente de Berlim", declarado livre do HIV após realizar um transplante de médula óssea de um doador que apresentava uma mutação genética rara que impede o vírus de penetrar na células. O transplante visava salvar Brown de uma leucemia.

A menina em questão, que mantém o HIV sob controle, recebeu antirretrovirais já disponíveis 31 horas depois de seu nascimento. Durante a gestação, a mãe não foi tratada contra a Aids. O tratamento precoce explica sua cura funcional, ao bloquear a formação de reservas de vírus dificilmente tratáveis, assinalaram os pesquisadores, durante a 20ª Conferência Anual sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI), realizada em Atlanta (Geórgia).

As células contaminadas "adormecidas" relançam a infecção na maior parte das pessoas soropostivas semanas depois da suspensão do tratamento com antiretrovirais. "A realização de uma terapia antirretroviral muito cedo nos recém-nascidos pode permitir uma longa remissão sem antirretrovirais, ao impedir a formação destas reservas virais ocultas", destaca a infectologista Deborah Persaud, do Centro de Crianças do Hospital Universitário Johns Hopkins de Baltimore (Maryland), principal autora do estudo. As análises mostraram uma redução progressiva da presença viral no sangue dos recém-nascidos, até o vírus se fazer indetectável no 29º dia de tratamento.

A menina foi tratada até os 18 meses de idade, quando um médico decidiu suspender a terapia. Dez meses depois, os exames não detectaram qualquer presença do HIV no sangue da criança. "Não há vírus detectável. Isso é realmente inédito. Se as pessoas ficam sem terapia, a maioria volta a apresentar o vírus dentro de poucas semanas", disse Persaud. "É uma prova do conceito de que o HIV pode ser potencialmente curável em recém-nascidos."

O desaparecimento do HIV sem tratamento permanente é algo extremamente raro, e observado apenas em 0,5% dos adultos infectados, cujo sistema imunológico impede a reprodução do vírus e o converte em clinicamente indetectável. Os tratamentos antirretrovirais em mães portadoras do HIV durante a gestação impedem a transmissão do vírus para a criança em 98% dos casos, segundo os especialistas. Os cientistas esperam que, caso o método funcione em outros bebês, mude o tratamento de gestantes soropositivas.

A Organização das Nações Unidas estima em 300 mil o número de recém-nascidos infectados com o HIV em 2011. Os estudos mais recentes sugerem que mais de 3 milhões de crianças no mundo vivam com o vírus. Atualmente, os recém-nascidos de alto risco recebem um coquetel de antivirais e doses profiláticas para prevenir a infecção durante seis semanas. Se o HIV for detectado, os bebês são submetidos ao tratamento tradicional. Apesar da desconfiança de vários médicos e pesquisadores, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, sigla em inglês) garantiram que todo o processo foi bem documentado.