O Estado de São Paulo, n.46291, 14/07/2020. Política, p.A10

 

Defesa vai recorrer à PGR contra Gilmar

Julia Lindner

Tânia Monteiro

14/07/2020

 

 

Ao criticar mortes pela covid-19, ministro acusou Exército de se associar ao genocídio

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, anunciou ontem que vai encaminhar uma representação à Procuradoria-geral da República (PGR) contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No sábado, Gilmar acusou o Exército de se associar a um "genocídio", em referência ao número crescente de mortes no País pela covid-19, situação agravada pela falta de um titular no Ministério da Saúde. Em paralelo, cresce nas Forças Armadas a pressão para que o general Eduardo Pazuello, que ocupa interinamente a vaga de ministro, vá para a reserva ou deixe o posto.

"Comentários dessa natureza, completamente afastados dos fatos, causam indignação. Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana. O ataque gratuito a instituições de Estado não fortalece a democracia", afirmou Azevedo, em nota subscrita pelos comandantes do Exército, general Edson Pujol, da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior, e da Aeronáutica, brigadeiro Antônio Carlos Moretti Bermudez.

A nota prossegue afirmando que "genocídio é definido por lei como 'a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso'". "Trata-se de um crime gravíssimo, tanto no âmbito nacional, como na Justiça internacional, o que, naturalmente, é de pleno conhecimento de um jurista", diz o texto. A informação de que a Defesa reagiria ao ministro do STF foi revelada pelo Estadão ontem.

Há 60 dias sem um titular na Saúde, o País acumula mais de 72 mil óbitos e 1,8 milhão de contaminados pela covid-19. Depois das saídas dos médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, Pazuello – militar da ativa especializado em logística – assumiu interinamente o ministério. A permanência dele no cargo incomoda integrantes do alto comando que já o avisaram: se quer ficar como interino indefinidamente, sem problemas, mas desde que vá para reserva. Para os militares, essa é a melhor maneira de não misturar as Forças com a política.

Foi na gestão de Pazuello que o Ministério da Saúde mudou a orientação sobre o uso da cloroquina, passando a recomendar o medicamento desde o início dos sintomas do novo coronavírus. A droga, no entanto, não tem a eficácia comprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, ao menos 20 militares, sendo 14 da ativa, ocupam cargos estratégicos no Ministério da Saúde.

Balística. O posicionamento de Gilmar foi feito durante uma live promovida pela revista Istoé e o Instituto de Direito Público (IDP). Além dele, participaram Mandetta e o médico Drauzio Varella. Mandetta chegou a afirmar que os militares devem ser "especialistas em balística e não em logística". E explicou: "Porque eu só vejo é acumulo de óbitos nessa política que está sendo feita no Ministério da Saúde."

Gilmar não quis comentar ontem a reação da Defesa à sua fala. Anteontem pelo Twitter, afirmou que as Forças vêm "atuando sempre para o bem-estar de todos os brasileiros" e apontou uma série de medidas que têm mobilizado militares, como barreiras sanitárias e ações de descontaminação, mas reforçou sua crítica.

"A política pública de saúde deve ser pensada e planejada por especialistas. Que isso seja revisto, para o bem das FAS (Forças Armadas) e da saúde do Brasil", escreveu.