O Estado de São Paulo, n.46292, 15/07/2020. Notas e Informações, p.A3

 

A escolha do novo titular do MEC

15/07/2020

 

 

Em nova demonstração da inépcia administrativa do governo Bolsonaro, o novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, ainda não tomou posse no cargo, apesar de ter sido escolhido há quase uma semana e de a pasta estar acéfala há quase um mês. Enquanto isso, o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) com orientações para a retomada das aulas virtuais após a pandemia de covid-19 continua à espera de homologação e o projeto do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) está parado no Congresso.

Ribeiro, que é pastor presbiteriano, teólogo, mestre em direito constitucional com uma dissertação sobre liberdade religiosa, doutor em educação com tese sobre calvinismo, especialista no Antigo Testamento e membro da Comissão de Ética da Presidência da República, será o quarto titular do MEC em 18 meses de governo Bolsonaro. Nesse período, a pasta foi marcada pela alta rotatividade dos ocupantes dos cargos estratégicos. Ela já teve cinco secretários executivos, quatro secretários de educação básica e quatro presidentes à frente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

A escolha de Ribeiro, após um acirrado embate entre as alas ideológicas, evangélicas, militares e políticas que disputam o controle da pasta, foi justificada pelo presidente da República não por critérios técnicos, mas morais. Segundo ele, Ribeiro foi indicado por "apreço à família e aos valores".

Embora seja desconhecido entre os especialistas em educação, pois é mais um pesquisador da área religiosa do que gestor de políticas, o novo ministro agiu com prudência e sensatez – virtudes que seus antecessores não tinham – assim que seu nome foi divulgado. Enquanto seus antecessores teimavam em recusar o diálogo com os secretários estaduais e municipais de educação e insistiam em ver o setor educacional como um campo de "guerra ideológica", o pastor Milton Ribeiro defendeu a retomada de um diálogo com os Estados. Prometeu valorizar o ensino básico e o ensino profissionalizante. E ainda afirmou que se esforçará para preservar a pesquisa científica brasileira, área que tem sido tratada com desprezo pelo atual governo. "Precisamos de todos: da classe política, academia, estudantes, suas famílias e da sociedade em geral. A qualidade da educação é o ideal que deve nos unir", disse ele.

Embora tenha falado pouco, suas palavras foram recebidas pela comunidade acadêmica e pelos especialistas em ensino como uma proposta de conciliação. Por isso, se sua indicação não foi elogiada, também não foi criticada – o que, considerando-se as escolhas anteriores de Bolsonaro, já é um significativo avanço. Como afirmou a presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Anna Helena Altenfelder, Ribeiro pode não ser conhecido, mas a instituição em que fez carreira é "comprometida com a produção do conhecimento e da produção científica". Já a presidente do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, alegou que, se conseguir superar tanto as pressões dos grupos que o indicaram como a oposição dos grupos derrotados na escolha do novo titular do MEC, Ribeiro poderá "acertar o passo e tentar avançar com mais vigor rumo a uma educação pública de qualidade". E o primeiro problema com que terá de lidar será o agravamento do esgarçamento das relações federativas, pois o governo Bolsonaro não aceitou nenhuma indicação dos Estados e municípios para compor o CNE, diz ela.

Este é o desafio à frente do novo ministro: mostrar sabedoria, serenidade, prudência, responsabilidade e habilidade para atuar num ambiente marcado por disputas acirradas entre as mais variadas alas. Quando tomar posse, anunciar sua agenda técnica e divulgar os nomes de seus assessores, o pastor Milton Ribeiro estará sinalizando se terá ou não condições de vencer esse desafio e começar a consertar tudo o que o governo Bolsonaro fez até agora no campo da educação.