O Estado de São Paulo, n.46292, 15/07/2020. Economia, p.B6

 

Em carta, ex-ministros cobram desmate zero

Eduardo Rodrigues

André Ítalo Rocha

15/07/2020

 

 

17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do BC se uniram para pressionar o governo

Depois dos investidores estrangeiros e dos empresários brasileiros, agora é um grupo de 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central que vem a público pressionar o governo por conta da questão ambiental. O grupo divulgou ontem uma carta cobrando ações para que o desmatamento, tanto da Amazônia quanto do cerrado, caia para zero. O documento propõe diretrizes para o alcance da chamada economia de baixo carbono, como o investimento em novas tecnologias e o aumento da cooperação internacional.

"Nós, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central do Brasil, defendemos que critérios de redução das emissões e do estoque de gases de efeito estufa na atmosfera e de resiliência aos impactos da mudança do clima sejam integrados à gestão da política econômica. Esses critérios já são, e serão cada vez mais, baseados em tecnologias compatíveis com o aumento da produtividade da nossa economia, a geração de empregos e a redução da desigualdade no Brasil", diz a carta, coordenada pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS) e pelo Instituto O Mundo Que Queremos.

"Não temos como ter crescimento sustentável no curto e no médio prazos sem levar em consideração questões de sustentabilidade e meio ambiente, claramente interligadas no mundo e no Brasil", disse o ex-presidente do BC Ilan Goldfajn, durante entrevista online após a divulgação de carta. "A imagem do Brasil está ligada a isso."

O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, por sua vez, disse que já seria um "grande avanço" se o governo não desse subsídios a setores que afetam os níveis de emissão de carbono. "Se não fosse pelo desmatamento, nossa pegada de carbono já seria muito competitiva."

Guinada. Na avaliação dos signatários da carta, a saída da crise pós-covid-19 oferece as oportunidades para essa guinada ambiental na economia, com investimentos públicos e privados nessa direção. Eles lembram as vantagens comparativas do País na área e recomendam a eliminação de subsídios a combustíveis fósseis, a emissão criteriosa de ativos financeiros verdes, a mobilização de fontes de financiamento provado para iniciativas de mitigação e a ampliação da cooperação internacional.

Para Persio Arida, também ex-presidente do BC, além do debate sobre a desigualdade social acelerada pela crise do coronavírus, será preciso discutir o meio ambiente. "A covid é um exemplo claro de que o mundo é interligado. Se a covid é um problema de saúde em escala global, o meio ambiente também é um problema em escala global", afirmou.

Outro ex-presidente do BC, Arminio Fraga, disse que os impactos de descuidos no meio ambiente podem ser maiores que os da crise do coronavírus.

Para ele, o Brasil faz bobagem ao não cuidar de si mesmo nesse tema. "Além de atrair mais investimentos, gestão ambiente melhora a vida das pessoas."

Assinam a carta os ex-ministros da Fazenda Luiz Carlos Bresser-pereira, Maílson da Nóbrega, Zélia Cardoso de Mello, Marcílio Marques Moreira, Gustavo Krause, Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero, Pedro Malan (também expresidente do BC), Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Henrique Meirelles (também ex-bc) e Eduardo Guardia. Entre os expresidentes do Banco Central que assinaram a carta estão Gustavo Loyola, Pérsio Arida, Armínio Fraga, Alexandre Tombini e Ilan Goldfajn.

TODOS PELA RETOMADA VERDE

 "O investimento público no Brasil está praticamente zerado e o privado está muito fraquinho. É hora de repensar esse caminho numa direção melhor, com investimento muito melhor e o grande tema da mudança climática deveria ser o mapa (para esse caminho)."

Armínio Fraga

EX-PRESIDENTE DO BC

"Para a retomada da economia será necessário uma visão abrangente de políticas públicas para o meio ambiente e para preservação da nossa biodiversidade, pois isso é imprescindível para nós; caso isso não ocorra, quem vai sofrer mais é a própria agricultura brasileira."

Marcílio Marques Moreira

EX-MINISTRO DA FAZENDA

"No Brasil, somos frequentemente prisioneiros de falsos dilemas. Um deles, um falso problema, é a ideia de que para se combater a burocracia, a insegurança jurídica etc seria preciso relaxar as normas de proteção ao meio ambiente. Isso é uma balela".

Gustavo Loyola

EX-PRESIDENTE DO BC

"A covid é um exemplo claro de que o mundo está interligado e o meio ambiente é outro exemplo, pois é um problema de escala global e todos têm de fazer sua parte. A consciência disso está mais presente agora e deve tornar nossa sociedade melhor daqui para frente."

Persio Arida

EX-PRESIDENTE DO BC

"Os investimentos hoje não são mais independentes de como são feitos, pois o dinheiro está condicionado ao uso responsável. A imagem do Brasil está relacionada a esse tema e o investimento obviamente vai afetar nosso crescimento no médio e longo prazos."

Ilan Goldfajn

EX-PRESIDENTE DO BC

"O máximo que se pode desejar ou esperar na base de uma pressão crescente e contínua é o que os americanos chamam de limitar os danos, porque, se isso não ocorrer, até o fim do mandato esse governo fará destruições ainda mais irreversíveis."

Rubens Ricupero

EX-MINISTRO DA FAZENDA

"As empresas brasileiras e estrangeiras que estão aqui estão manifestando interesse e compromisso com a questão climática e entendem que isso é parte fundamental do negócio delas, que podem ter retorno grande e abrirem portas para o País voltar a crescer."

Joaquim Levy

EX-MINISTRO DA FAZENDA

"Há de se tomar consciência da gravidade da situação e tem de haver uma internacionalização por parte do governo e dos agentes econômicos dos desafios que são postos. Vamos ter de esperar que aconteça alguma atitude mais positiva desse governo."

Zélia Cardoso de Mello

EX-MINISTRA DA FAZENDA