Título: Na ausência de um papa, a Praça de São Pedro é de todos
Autor: Tranches, Renata ; Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 05/03/2013, Mundo, p. 14

Ponto turístico obrigatório, o local atrai ainda mais olhares depois da renúncia de Bento XVI. Cada visitante tem uma versão para a decisão

Cidade do Vaticano — A praça é de São Pedro e de quem ali chega: do mendigo que implora por alguns centavos de euro com uma cruz de cardeal no peito; dos namorados que se beijam com vontade na fonte de bronze e granito; do senhor parado diante da Basílica, com Bíblia e terço em mãos; das italianas fumando um cigarro atrás do outro próximo ao obelisco; dos turistas incrédulos e dos peregrinos fervorosos.

Em tempo de Sede Vacante, a Praça de São Pedro, órfã de seu dono, pertence a todos, mais do que nunca. Solo santo para os católicos e indiferente para tantas outras pessoas, o lugar de onde o mundo não tirará os olhos até a escolha do novo papa vive dias agitados. Ao verem as janelas do Palácio Apostólico fechadas, não há quem não tenha alguma opinião sobre a renúncia de Bento XVI.

“Estranho” é como a arquiteta paulista Patrícia Grampa, 25 anos, define a saída de cena do alemão que por quase oito anos governou a Igreja. “Todo mundo achou estranho. Passou a impressão de que aconteceu algo muito sério”, acrescenta a colega de hostel dela Laís Nishibe, 23, também de São Paulo. As duas estão em temporada de estudos na Europa e fizeram questão de conhecer o Vaticano.

A praça considerada o coração da Igreja Católica faz parte do tour obrigatório de quem viaja a Roma. Com a renúncia de Bento XVI, o interesse dos turistas em pisar no lugar aumentou. “Por sorte, estamos aqui em um momento histórico”, alegra-se a engenheira brasileira Melina Marra, 31, de férias ao lado do marido, Juliano Vilela, 33. “Tem alguma coisa política por trás dessa decisão do papa”, registra ele.

Enquanto a filha Alice, de 3 anos, corre atrás dos pombos na praça, o professor gaúcho Luís Lamb, 44, “católico não praticante”, como se define, dá seu parecer: “Os problemas de saúde foram só a gota d’água. Estamos falando de uma instituição que tem muito poder, mais de 2 mil anos de existência, uma estrutura como esta e que influencia a mente de bilhões de pessoas”.

“Desculpa”

Sentados aos pés do obelisco, no centro da praça, estudantes comentam a saída do papa. “Minha avó falou que foi um absurdo o que ele fez. E olha que ela é muito católica”, dispara Melissa Scharwey, 21, alemã que já estudou no Brasil. “Essa história de cansaço foi desculpa. Soube que ele está querendo se blindar de algumas coisas”, emenda a brasileira Vitória Martins, 20.

Mesmo estando ali, no pequenino Vaticano, Renan Zacche, 21, do mesmo grupo de estudantes, diz ser muito difícil saber o que acontece por trás daqueles altos muros. “Estamos muito perto e, ao mesmo tempo, muito longe”, resume o jovem. Presbiteriano, filho de pastor, o colega Henrick Emerick, 21, encerra a discussão: “Religião é assim: todo mundo vai ter sempre alguma coisa para dizer, contra ou favor”.

Depoimento Crença em Dom Odilo

Ninguém, ninguém mesmo é capaz de dizer ao certo quem será eleito papa antes de a fumaça branca sair da chaminé da Capela Sistina. O conclave é, sim, uma eleição política, mas, aqui em Roma, percebe-se que, mesmo com a instituição em crise, não se pode desconsiderar o caráter transcendental do processo. De todo modo, as chances de o sumo pontífice ser um brasileiro têm, de fato, aumentado. É sério e faz sentido o burburinho de que Dom Odilo Scherer pode alcançar o cargo máximo da Igreja Católica.

No último fim de semana antes do início das Congregações Gerais, o arcebispo de São Paulo, 63 anos, viajou para Assis, refugiando-se em ares franciscanos. De lá, soube da repercussão de que estava, mais do que antes, cotado para ser papa. Ontem, concluídos os dois primeiros encontros preparatórios para a votação, no trajeto do Vaticano ao Pontifício Colégio Pio Brasileiro, onde está hospedado, o celular dele tocou. Era do Brasil. Dom Odilo não atendeu. Tem estado cada vez mais reservado. Não dá mais entrevistas, nem mesmo para a mídia católica. O monsenhor Antonio Luiz Catelan, que tem acompanhado os cardeais brasileiros em Roma, garante que dom Odilo é forte candidato e tem o apoio de dois nomes de peso na Cúria Romana: o decano do colégio cardinalício e coordenador das reuniões preparatórias para o conclave, Angelo Sodano, e o prefeito emérito da Congregação para os Bispos, Giovanni Battista Re. “O negócio está ficando sério”, reforça o padre Cesar Augusto dos Santos, chefe dos programas brasileiros na Rádio Vaticano.

Ontem, ao me identificar como brasileiro, um italiano que trabalha no Vaticano cumprimentou-me. “Do Brasil? País do futuro papa?”. E insistiu: “A Capela Sistina será preparada para elegê-lo (referindo-se a dom Odilo)”. Mais tarde, no almoço, o garçom que me serviu a lasanha também não hesitou. “Você é do Brasil? O próximo papa será brasileiro. Dom Odilo é o nome dele, não é?” Residente no Pio Brasileiro, o padre brasiliense Eduardo Peters sustenta: “Um papa pode estar hospedado aqui”. Quem sabe?