Correio braziliense, n. 20958, 10/10/2020.Brasil, p. 5

 

Isolamento social cada vez mais flexível

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

10/10/2020

 

 

Com mais 682 mortes nas últimas 24 horas, o país tem 149.639 vidas perdidas pelo novo coronavírus. O balanço do Ministério da Saúde confirmou, também, mais 27.444 casos, somando 5.055.888 de infectados. Diante da flexibilização do isolamento social, o número de brasileiros que afirmaram ter reduzido o contato, embora continuem saindo ou recebendo visitas, segue crescendo. Da segunda para a terceira semana de setembro, mais 2,4 milhões de pessoas passaram a adotar o comportamento. Composto por 85,7 milhões de indivíduos, o grupo tornou-se a maior parte da população brasileira na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19.

É a primeira vez desde junho, quando o distanciamento social passou a integrar a análise do IBGE, que aqueles que flexibilizaram a quarentena, ou seja, 40,5% dos brasileiros, tornaram-se maioria. Especialistas temem que as interpretações rasas dos dados da pandemia estejam estimulando o comportamento. Apesar das reduções na média móvel, os registros do novo coronavírus continuam altos e a expectativa é de que o Brasil ultrapasse os 150 mil mortos ainda hoje.

Na penúltima análise do Pnad, que avaliava a segunda semana de setembro, o grupo que ficou em casa e só saiu por necessidade básica era predominante. Agora, este representa 39,9% dos brasileiros, ficando em segundo lugar. Atrás dele, estão as pessoas que se isolaram rigorosamente, 16% da população. Em quarto lugar estão aqueles que não adotaram qualquer medida de restrição, 3,1% da população. Outro 0,5% não respondeu.

Desde que o isolamento passou a ser objeto de estudo da Pnad Covid-19, a flexibilização das medidas restritivas virou uma tendência a ser observada. “Toda semana tem cada vez menos pessoas que ficam rigorosamente isoladas dentro de casa e elas passam para uma medida um pouco menos restritiva, que é sair para resolver algumas coisas”, ressalta a coordenadora da pesquisa, Maria Lucia Vieira.

Outro ponto que indica a maleabilidade das medidas restritivas é o crescimento do número de pessoas desempregadas que voltaram a procurar um trabalho. Entre as duas semanas avaliadas, o contingente de desempregados que não procurou trabalho em razão da pandemia passou de 16,3 milhões para 15,4 milhões. Além disso, pela primeira vez na série histórica da Pnad Covid-19, o nível de ocupação sofreu um aumento significativo. A população ocupada aumentou em 1,1 milhão de pessoas, totalizando em 83,7 milhões.

“Esse aumento se dá a partir de variações positivas sucessivas da população ocupada nessas últimas quatro semanas. Esse contingente vem aumentando um pouco, não de forma estaticamente significativa, mas há uma tendência de crescimento. O mercado de trabalho já parece mostrar as primeiras reações de recuperação”, avalia a pesquisadora.

Balanço

Ainda elevados, os números mantêm o país, há quatro meses, em segundo no mundo com mais perdas pela pandemia. Pelos dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Brasil observa uma redução na média móvel de casos e mortes. O índice dos últimos sete dias está em 607 fatalidades e 25.052 infecções diárias. No entanto, o ritmo de registros deve fazer com que o país chegue aos 150 mil óbitos hoje, previsão que vai ao encontro do levantamento do Portal Covid-19, iniciativa formada por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP). A predição da plataforma estipula 150.183 óbitos no dia do encerramento da semana 41, que se encerra hoje.

Por outro lado, o acumulado semanal não deve extrapolar o fechamento anterior. Nos últimos seis dias foram registrados 149.055 casos e 3.652 mortes. Para alcançar os números passados, seria necessário, em uma única atualização do balanço, acrescentar 39.787 novas infecções e 929 óbitos, valores bem acima da atual média móvel. Portanto, a expectativa é de mais uma semana com diminuição de registros.

Análise

Apesar de ver com bons olhos as quedas semanais, o pesquisador José Alexandre Diniz, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), teme a normalização das mortes e questiona a interpretação dos dados. “Será que essa estabilização não seria o que chamamos de 'wishfull thinking', ou seja, de que estamos vendo o que queremos ver? Precisamos pensar um pouco mais profundamente e entender o que esses dados realmente mostram. Infelizmente, a questão não é tão simples assim e ainda há um longo caminho em termos de aumento no número de mortes por aqui”, ressalta.

Levando em conta as limitações, o pesquisador ressalta a importância em se manter as medidas de controle da disseminação do vírus, valorizando o distanciamento e uso de máscaras. “Se houver mudanças drásticas de comportamento das pessoas, os números de transmissões podem aumentar e a pandemia volta a crescer, como estamos vendo em vários locais”, alerta.

Estados

Mesmo observando números de óbitos mais baixos no cenário nacional, os dados dos estados continuam preocupantes. Com taxa de mortalidade de 3%, o Brasil vê 24 unidades federativas extrapolarem a marca de mil mortes cada. Ontem, Tocantins entrou para o rol, ao somar, desde o início da pandemia, 1.002 óbitos. Somente três estados ficam de fora da lista: Amapá (725), Acre (674) e Roraima (670).

Do lado contrário, no topo da tabela, estão São Paulo e Rio de Janeiro, com 37.068 e 19.222 vítimas, respectivamente. Em seguida aparecem Ceará (9.126), Pernambuco (8.397), Minas Gerais (7.992), Bahia (7.075), Pará (6.636), Goiás (5.138), Rio Grande do Sul (5.100), Paraná (4.736), Amazonas (4.222), Maranhão (3.849), Distrito Federal (3.640), Espírito Santo (3.432), Mato Grosso (3.245), Paraíba (2.904), Santa Catarina (2.893), Rio Grande do Norte (2.416), Piauí (2.197), Alagoas (2.126), Sergipe (2.083), Mato Grosso do Sul (1.409) e Rondônia (1.392).