Correio braziliense, n. 20958, 10/10/2020. Economia, p. 6

 

Inflação de setembro é a maior em 17 anos

Rosana Hessel 

Natália Bosco 

10/10/2020

 

 

A inflação oficial de setembro veio forte, puxada pela alta dos preços dos alimentos e dos combustíveis, e surpreendeu o mercado, que passou a rever para cima as previsões para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2020 — chegando, em alguns casos, a 3%. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA subiu 0,64% em setembro, o maior resultado para o mês em 17 anos. Em setembro de 2003, o indicador teve variação de 0,78%.

O resultado ficou acima das projeções de mercado, cuja mediana estava em 0,54% e superou em quase três vezes a alta de 0,24% registrada em agosto. Brasília foi a capital com a segunda menor alta do IPCA, de 0,37%, à frente apenas de Salvador, que registrou inflação de 0,23%.

No ano, o IPCA subiu 1,34%, e, no acumulado em 12 meses até setembro, a inflação foi de 3,14%. Esses dados estão dentro da meta de inflação para este ano, de 4%, com piso de 2,5%, e, por conta disso, analistas mantiveram as previsões de que o Banco Central deverá manter a taxa básica de juros (Selic) em 2% ao ano até o fim de 2020.

Comida cara

Com alta de 2,28% — e o maior impacto no IPCA no mês passado, de 0,46 ponto percentual —, o grupo de alimentos e bebidas foi o principal influenciador da carestia de setembro, principalmente, pelas altas nos preços do óleo de soja, de 27,54%, e do arroz, de 17,98%, puxados pelo aumento da demanda e à valorização do dólar frente ao real. No ano, esses dois produtos subiram 51,30% e 40,69%, respectivamente. Transportes, por conta da elevação dos preços da gasolina, que não param de subir nas bombas, tiveram peso de 0,14 ponto percentual no IPCA de setembro.

Com o encarecimento dos alimentos, os brasileiros estão mudando hábitos. A diarista Rosa Maria Santos, 60 anos, contou que parou de comprar arroz e óleo esperando que o preço caia. “Quando um produto começa a subir muito, a gente tem que dar um basta para ver se volta (ao preço normal). Eu moro só e estou me virando, mas meu filho, que é casado, sentiu bastante. Ele me ligou e disse: ‘mãe, o trem está feio’. Eu mesma parei de comer arroz, estou dando um tempo. Substituí por verduras”, desabafou. A porteira Luzinete Reis também cortou a quantidade de comida na mesa. “Minha família é um pouco grande, então eu tive que cortar algumas coisas. A carne subiu muito, o arroz, o feijão, o óleo, tudo”, disse.

Sem trégua

O economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), adiantou que a inflação não deverá dar trégua em outubro. Ele prevê o IPCA subindo de 0,80% a 0,90% neste mês, apesar de o Indicador Geral de Preços — Mercado (IGP-M), apresentar uma desaceleração nos primeiros 10 dias de outubro, na comparação com o mesmo período de setembro, passando de 4,41% para 1,97%. “Nossas coletas indicam IPCA de outubro bem alto, devido ao início da retomada do setor de serviços, que começa a pressionar preços, como passagens aéreas, compensando uma leve queda nos alimentos”, destacou Braz. Ele prevê elevação de 2,5% para o IPCA neste ano, mas com “viés de alta”.

As revisões para o IPCA do ano deram a largada assim que saiu o indicador do IBGE. Eduardo Velho, estrategista da JF Trust, por exemplo, elevou de 2,24% para 2,76%. O Itaú Unibanco revisou de 2,5% para 3% a projeção de inflação deste ano, incorporando a aceleração adicional no preço dos alimentos até dezembro. O banco estima alta de 0,63% no IPCA do mês que vem. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, elevou a previsão de 2,3% para 2,5% e prevê alta de 0,43% no IPCA de outubro.

*Estagiária sob a supervisão de Odail figueiredo

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Gasolina tem mais um reajuste 

Simone Kafruni 

Jailson R. Sena 

10/10/2020

 

 

A Petrobras anunciou, ontem, mais um reajuste dos preços dos combustíveis nas refinarias. A partir de hoje, o litro da gasolina aumenta em 4% e o do diesel, (S10 e S500), em 5%. O combustível marítimo (Dmar) sobe 5,3%. Na bomba, o impacto não é imediato, mas pode chegar a R$ 0,08 no litro do diesel e de R$ 0,07 no da gasolina.

Segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do Distrito Federal (Sindicombustíveis-DF), Paulo Tavares, a margem dos estabelecimentos é pequena, de R$ 0,30 por litro. “O impacto de R$ 0,07 é quase 30%. Então, o aumento deve ser repassado integralmente”, afirmou.

Tavares explicou que a venda de combustíveis ainda está baixa por conta da pandemia. “A média é uma redução de 40% em relação ao período de normalidade. Em algumas cidades do DF, a queda já está menor, em torno de 20%, mas a movimentação média de carros é 40% mais baixa. Ou seja, os postos estão vendendo menos”, disse.

Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o volume de comercialização de combustíveis ainda está 30% menor em razão da pandemia. “Outro motivo para o repasse é que em setembro houve dois aumentos. Não dá para segurar, explicou Tavares. A base de cálculo do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estipulada pelo governo, também pode sofrer alteração, o que aumentará ainda mais os produtos.

Na visão dos consumidores, os aumentos tornaram-se comuns. Para o estudante Hemerson Soares, de 24 anos, morador do Guará, a alta do preço já é rotineira para os motoristas. “Cada mês é um aumento, e o povo já se acostumou com isso”, diz. Já a bancária Aline Silva, 31 anos, moradora de Samambaia, diz que espera pegar promoções onde estiver. “Vou ficar de olho nos postos e ver onde está mais barato, seja aqui, no Plano, ou em Samambaia”, conta.

A Petrobras ressaltou que os preços que pratica e suas variações para mais ou para menos são “associadas ao mercado internacional e à taxa de câmbio”. A estatal informou que, apesar dos aumentos recentes, o preço médio do diesel nas refinarias acumula queda de 24,3% desde janeiro. No caso da gasolina, a redução é de 5,3%.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo

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Peso maior para quem é baixa renda 

10/10/2020

 

 

A inflação para os brasileiros que ganham até cinco salários mínimos está mais agressiva. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de setembro subiu 0,87%, bem acima da alta de 0,36% registrada em agosto. Esse é o maior resultado para o mês desde 1995, quando o indicador de inflação dessa faixa da população subiu 1,17%, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Os dados do IBGE, divulgados ontem, mostram que, em média, os produtos alimentícios subiram 2,63% em setembro, e os nãoalimentícios apresentaram alta de 0,35%. No acumulado do ano, o INPC registrou elevação de 2,04% e, nos últimos 12 meses, de 3,89%, bem acima dos 2,94% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em setembro de 2019, o indicador havia registrado deflação de 0,05%.

Entre as 16 capitais pesquisadas pelo IBGE, Campo Grande foi a que registrou maior alta do INPC em setembro, de 1,59%. Salvador foi a cidade com menor variação, de 0,47%. Brasília, por sua vez, ficou em penúltimo lugar, com alta 0,59%.

O INPC é o indicador oficial para o reajuste anual do salário mínimo e a forte alta do indicador será um problema para o governo conseguir aprovar o Orçamento de 2021. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2021 prevê piso salarial de R$ 1.067 e não há espaço para novas despesas sem o descumprimento do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas do governo à variação da inflação do ano anterior. 

 O valor do piso salarial no Ploa de 2021 embute uma correção de 2,1%, mas tudo indica que a inflação ficará acima desse patamar e exigirá cortes de despesas ou aumento de receita para cobrir o buraco.

No acumulado em 12 meses até setembro, o INPC registra alta de 3,89%. Considerando essa taxa, o salário mínimo precisaria ser corrigido em R$ 41, passando dos atuais R$ 1.045 para R$ 1.086. Para cada real a mais nesse piso salarial, os gastos do governo com a Previdência aumentam, em média, R$ 350 milhões. Logo, o governo precisará de, pelo menos, R$ 6,6 bilhões a mais só por conta dessa variação na inflação que levará o mínimo R$ 19 acima dos R$ 1.067 previstos no Ploa de 2021. Esse será mais um dos abacaxis fiscais que o governo precisará descascar além da busca de recursos para financiar o Renda Cidadã, programa que substituirá o Bolsa Família. A iniciativa vem gerando polêmica e aumentando a preocupação do mercado sobre os riscos cada vez maiores de o governo estourar o teto de gastos no ano que vem. (RH)