Correio braziliense, n. 20958, 10/10/2020. Cidades, p. 15

 

Entrevista - Sarney Filho

Jéssica Eufrásio 

10/10/2020

 

 

O secretário Sarney Filho afirma que os focos de queimada e as áreas atingidas pelas chamas no Distrito Federal diminuíram em, ao menos, 40%, na comparação com 2019. À frente da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) desde o início da gestão Ibaneis Rocha (MDB), o ex-ministro do Meio Ambiente e ex-deputado federal destaca, em entrevista ao Correio, que o DF fez o “dever de casa” neste ano. Dos 18 mil hectares afetados, mais de 4 mil, segundo ele, passaram por um processo de incêndio controlado, conhecido como queima prescrita. “Se você reduzir, vai ver que, hoje, a área danificada, passível de danos ambientais, foi de 14 mil hectares. Menos, portanto, que no ano passado, no mesmo período (16,6 mil hectares). Não é desculpa. E isso não é bom. É uma área muito grande. Mas quer dizer que tomamos as precauções certas”, diz Sarney Filho. “Se não tivéssemos feito, seria uma verdadeira tragédia. Não houve perda de biodiversidade, nem da fauna ou da flora”, completa.

O secretário acrescenta não haver repasse de recursos por parte do Ministério do Meio Ambiente e critica o enfraquecimento de institutos nacionais voltados à proteção ambiental, bem como o questionamento das terras indígenas na Justiça. Além disso, comentou que a secretaria tem aprimorado os mecanismos tecnológicos para monitorar as unidades de conservação e responsabilizar quem provoca queimadas florestais. “A gente sabe, por exemplo, que muitos desses incêndios foram feitos na área rural por produtores. Não diria nem por produtores. Esses que fizeram incêndios criminosos são aproveitadores, que colocam em risco os verdadeiros produtores”, enfatiza.

A onda de calor dos últimos dias revela sérias mudanças climáticas devido à ação do homem. Como criar mecanismos de compensação no DF e Entorno?

Essa pergunta é importante porque remete a uma questão global, ao clima no mundo. Na última década, tivemos os nove anos mais quentes da história da humanidade. No período recente, tivemos temperaturas recordes no Brasil, em muitas localidades, inclusive em Brasília. Ninguém duvida mais que o aquecimento global é uma realidade. O que é esse aquecimento global? Ele é produzido pela ação do homem, pela emissão de gases do efeito estufa. Nesse sentido, no Governo do Distrito Federal, por meio da Sema, atualizamos o inventário das emissões (de gases).

Com essa atualização, estamos começando uma proposta de mitigação que está em ação em determinadas áreas. Segurança hídrica, por exemplo. Estamos fazendo alguns projetos agroflorestais e incentivando com recursos do CITinova (Planejamento Integrado e Tecnologias para Cidades Sustentáveis), que é um recurso internacional gerenciado pela Secretaria de Meio Ambiente e tem interveniência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Dentro disso, estamos fazendo recuperação de nascentes, regeneração de áreas degradadas. É evidente que isso tudo é ainda de uma maneira muito curta. São programas que, digamos assim, vão servir de referência.

O cerrado é um dos biomas que perderam mais área nas últimas décadas. Quais ações a Sema tem adotado para evitar essa degradação?

Quando ministro do Meio Ambiente, fui eu que quadrupliquei, há três anos, o tamanho da Chapada dos Veadeiros. Era uma antiga, antiquíssima reivindicação da sociedade civil e, também, hoje, transforma-se em uma das poucas unidades de conservação do Cerrado que têm grande fiscalização e visibilidade. No que diz respeito a Brasília, estamos fazendo um amplo programa de recuperação de nascentes. O cerrado é o berço das águas. E as nascentes são o resultado da vegetação do cerrado que permite brotar essa água, que vai para quase todos os outros biomas brasileiros. O cerrado é um bioma que integra os outros. É muito importante e o segundo (maior) da América do Sul. Manter ele funcionando, prestando os serviços ambientais dele é uma obrigação dos governos, tanto do Distrito Federal quanto dos estados de Goiás, do Tocantins, Mato Grosso do Sul… Estados que têm cerrado. Todos eles têm a responsabilidade de mantê-lo. Ele tem sido agredido, desmatado para a produção de grãos.

Como acontece a articulação com estados do Centro-Oeste para a definição de estratégias com foco na preservação e no combate às queimadas?

O combate às queimadas, no que diz respeito aos biomas, é basicamente (competência) da Federação, da União. A União tem a maior responsabilidade. Em Brasília, temos a responsabilidade sobre nossas unidades de conservação, nossos parques. Nesse aspecto, é importante dizer que — apesar de o clima de 2020 ser o mais adverso dos últimos anos, o mais propício a grandes queimadas de todos os tempos que se tem notícia —, nas unidades de conservação (do DF), conseguimos diminuir em 60% os focos de queimada e em 40% as áreas queimadas até hoje (em 2020), em relação ao ano passado. Fizemos nosso dever de casa, contratamos brigadistas na época certa.

Este ano, foi no começo de julho. Ano passado, no fim de agosto, (porque) não tínhamos orçamento ainda. Em 2020, nós nos preparamos para isso. Fizemos aceiros em 90% das unidades de conservação; aceiros mecânicos e através do fogo. E, mais do que isso, desde o ano passado, não deixamos de colocar (a educação ambiental) nas ruas, nas escolas, com panfletos, com livretos. Conseguimos, com isso, diminuir a área de queimadas nessas unidades de conservação. Se não tivéssemos feito, seria uma verdadeira tragédia.

Também é importante ressaltar (a atuação) no Jardim Botânico, pelo segundo ano consecutivo, por causa dos brigadistas, da competência dos funcionários lá. E não poderia deixar de falar dos bombeiros. Os bombeiros militares do DF são referência nacional e até mundial. Agora, por determinação do governador (do DF, Ibaneis Rocha) — e já que em Brasília as coisas estão sob controle —, eles ajudarão no combate aos incêndios no Pantanal. Outra coisa importante em que inovamos: fizemos fogo controlado, a queima prescrita, como é chamada. Você faz um incêndio controlado, no período não seco, para que folhas secas, galhos caídos e tudo o que possa se transformar em combustível quando vier o período seco não sirva mais como combustível.

(O incêndio controlado) foi feito em mais de 4 mil hectares de Brasília. Não houve perda de biodiversidade, nem da fauna ou da flora, pois foram controlados. E teve um resultado muito importante. Os últimos dados foram de que Brasília queimou 18,3 mil hectares este ano. Ano passado, foram 16,165 mil, com área rural, queima autorizada, tudo. Só que, nesses 18 mil, há a queima prescrita. Se você reduzir, vai ver que, hoje, a área danificada, passível de danos ambientais, foi de 14 mil hectares. Menos, portanto, do que no ano passado. Não é desculpa. E isso não é bom. É uma área muito grande. Mas quer dizer que tomamos as precauções certas.

Agora, vamos fazer uma reunião, quando chegar o período chuvoso, para avaliar o que deu certo, o que não deu e tomar novas providências. A gente sabe, por exemplo, que muitos desses incêndios foram feitos na área rural, por produtores. Não diria nem por produtores. Esses que fizeram incêndios criminosos são aproveitadores, que colocam em risco os verdadeiros produtores. Houve muito incêndio criminoso. Nós temos as condições tecnológicas e vamos buscar a responsabilização, para que esses incêndios não ocorram mais, para que essa irresponsabilidade não ocorra mais. As pessoas vão limpar a terra e colocam fogo sem fazer o aceiro, sem tomar precaução e sem pedir autorização ao Brasília Ambiental. Isso não será mais possível fazer. Ou, se for feito, as pessoas que o fizerem serão devidamente responsabilizadas.

Como o senhor enxerga a situação nacionalmente? Acredita que faltam regras mais duras por parte do governo federal?

Modestamente, tenho alguma experiência nesse assunto. É uma decisão política. O desmatamento, por exemplo, que é responsável pelas queimadas na Amazônia, é contido pelo comando de controle. Na medida em que governo sinaliza que não vai multar, enfraquece um órgão como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), enfraquece o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e questiona as terras indígenas (na Justiça), que servem como verdadeiros escudos contra o desmatamento, ele (o governo) está incentivando os malfeitores a fazerem um desmatamento, como na Amazônia. 97% dele são criminosos e ilegais. E o desmatamento gera a consequente queimada. No período seco, pior ainda. No Pantanal, é diferente. Foi falta de precaução. Não fizeram o que fizemos aqui em Brasília. Não contrataram brigadistas a tempo, não fizeram aceiros, não protegeram as unidades de conservação. E também há uma certa permissibilidade, como acontece em outros lugares, em relação a maus pecuaristas, que aproveitam essa oportunidade para ampliar a área de capim.

O DF viveu uma crise hídrica séria. Há acompanhamento e mapeamento da qualidade dos cursos d’água e dos lençóis freáticos do DF?

A responsável maior e que, à época, com muita competência, conduziu Brasília durante aquela estiagem é a Adasa (Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal). Ela que coordenou isso. Temos com ela um projeto para pagamento de geração de água, que é o Produtores de Água do Pipiripau e do Descoberto. No que diz respeito à nossa atuação, na Secretaria do Meio Ambiente, o foco rural é na segurança hídrica, principalmente. Com recuperação de nascentes, novos projetos e recuperação do cerrado, com consequência na recuperação da produção de água. Nesse aspecto, estamos tomando nossas precauções.

Sobre o Lago Paranoá, há alguma ação educadora ou punitiva por parte do GDF com foco nas ocupações na área?

A primeira coisa que estamos fazendo no Lago Paranoá é uma ação estruturada, que é a recuperação de áreas degradadas. Isso foi, inclusive, uma determinação da Justiça do DF que estamos cumprindo. Tenho tido a oportunidade de visitar, neste período seco, as áreas que já foram objeto (das ações). Todo o lago vai ser. Há um vasto programa de recuperação de áreas degradadas. Mas, as partes que foram atendidas são muito bem-feitas. Houve plantio de mudas. Algumas poucas não resistiram, e isso está servindo como exemplo, para que a gente possa plantar mudas mais resistentes que tenham relação direta com a recuperação das áreas degradadas do lago. A questão do lixo à beira do lago foi bastante melhorada. Ultimamente, nós não vemos mais reclamações em alguns setores, como no Lago Norte. É uma questão de, no que diz respeito ao poder público, disponibilizar lixeiras, fazer a limpeza. Mas, ao lado disso, é importante também que haja uma educação ambiental. A gente perdeu tempo nisso, mas era nossa intenção fazer algumas ações nos parques.

Em relação à concessão da gestão do Parque Nacional de Brasília, o GDF teria condições de assumi-la? E, para os demais parques, há ações previstas?

Não teríamos condições de assumir, não. Nós não temos recursos para isso. Quanto aos parques de uso nosso, estamos entrando no 13º que passa por uma recuperação. Recuperação de pistas, de banheiros. E vamos chegar, ainda este ano, a cerca de 22 parques recuperados. É muito importante essa ação, porque o brasiliense não tem praia. Ele tem o parque como ponto de lazer. Ou são sócios de clubes. Mas a maioria tem no parque um ponto de encontro, onde levar a família, onde curtir um pouco. É por isso que a gente tem de dar conforto. Temos 12 parques que passaram por uma recuperação, na Asa Sul, Asa Norte, no Guará, em Águas Claras. E também temos projeção para fazer mais 12 (trabalhos de recuperação). Entre esses, está o melhoramento do Parque Burle Marx, do Gama, do Península Sul e o Copaíba está entrando (nessa fase).

Como controlar o aumento do crescimento urbano em áreas de cerrado?

É importante ressaltar que Brasília é o aglomerado urbano que mais recebe pessoas no Brasil. Cerca de 85 mil por ano. Isso torna realmente difícil o planejamento urbano. É importante, nesse aspecto, que se respeite a legislação. Lógico que a maioria das áreas de cerrado antropizadas, no limite da área urbana, é ilegal. São invasões. O governo está (atuando) como um todo. Não é atribuição de nossa secretaria, mas, tão logo essa pandemia acabe, vão retornar as retiradas de (pessoas de) áreas que foram invadidas e têm, prioritariamente, grande interesse ambiental. Isso é decisão do governo e vinha ocorrendo anteriormente. Todas elas são ilegais, mas as mais fáceis de serem retiradas são as invasões que aconteceram mais recentemente e não estão consolidadas. Houve uma ação muito efetiva do governo. E pode-se dizer que foram bem-sucedidas, no sentido de que coibiram novas invasões ou um avanço muito grande delas.