Título: Doença sempre cercada de mistério
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 06/03/2013, Mundo, p. 15

O problema de saúde que levou Hugo Chávez à morte se mantém sob o mesmo espectro de mistério de todos os anúncios feitos sobre a doença até então. Antes de assumir a existência do câncer, em 30 de junho de 2011, o líder venezuelano divulgou que sofria de uma lesão no joelho e, em seguida, de um abscesso pélvico. O exato órgão do corpo tomado pelo mal ou operado nas quatro cirurgias a que ele se submeteu nunca foi confirmado. Por duas vezes, Chávez declarou estar curado da doença até admitir, em outubro de 2012, que sua saúde debilitada afetou o desempenho da última campanha presidencial em que alcançou a reeleição. Um dia antes da morte do líder, o ministro de Comunicação e Informação, Ernesto Villegas, informou um “agravamento” do quadro respiratório com uma “nova e severa infecção”.

A última cirurgia a que Hugo Chávez se submeteu não teve seus resultados apresentados com o mesmo otimismo que as anteriores. A primeira operação para retirada do tumor, seguida de quatro sessões de quimioterapia, foi considerada bem-sucedida. A efetividade do tratamento pôde ser confirmada nos meses posteriores, nos quais o líder, de cabeça raspada, manteve uma certa rotina de pronunciamentos. A reincidência da doença no primeiro semestre de 2012 levou a duas cirurgias consecutivas, sessões de radioterapia e, mais uma vez, o “fim bem-sucedido do tratamento”. Em julho do mesmo ano, Chávez declarou estar “totalmente livre” do câncer na região pélvica e negou que sua saúde pudesse influenciar na eleição três meses depois.

Quase dois meses após o fim do pleito, ele comunicou uma viagem a Cuba para iniciar um “tratamento especial” de “várias sessões de oxigenação hiperbárica”. O real motivo da ida a Havana só foi divulgado 15 dias depois quando retornou a Caracas por um brevíssimo período e confirmou ao povo venezuelano uma segunda reincidência da doença. Desde a cirurgia em Cuba, em 11 de dezembro do ano passado, a série de boletins divulgados pareceu ter como única finalidade preparar a população do país para o pior. Declarações feitas pelos médicos cubanos trouxeram questionamentos quanto ao real estado de saúde do presidente venezuelano que poderia ser mais sério que o divulgado pelo governo em Caracas. O vice-presidente Nicolás Maduro já falava em um pós-operatório “complexo e duro”.

Inchaço Fotos de Chávez bastante inchado com as filhas, Rosa Virgínia e María Gabriela, publicadas em 15 de fevereiro, teriam como objetivo atestar uma boa recuperação do líder. O jornal do dia foi estrategicamente posicionado nas mãos do presidente para confirmar a veracidade das imagens. No entanto, os sorrisos estampados nos retratos foram recebidos com desconfiança pela comunidade internacional e por seus opositores na Venezuela, apesar de comemorados pela população. Na ocasião, o governo anunciou que Chávez respirava por meio de um tubo de traqueostomia, o que dificultava a fala. Três dias depois, ele voltou de Havana diretamente para internação no Hospital Militar de Caracas. Diferentemente das expectativas, o presidente eleito não chegou a apresentar condições de saúde razoáveis para que pudesse tomar posse para o seu terceiro mandato.