Título: Parceiros estratégicos
Autor: Correia, Karla; Chaib, Julia; Medeiros, Étore
Fonte: Correio Braziliense, 06/03/2013, Mundo, p. 17

O Brasil foi um parceiro fundamental para a Venezuela de Hugo Chávez e, ao mesmo tempo, aproveitou-se do discurso radical do comandante venezuelano, sobretudo contra os Estados Unidos, para firmar-se como a principal liderança continental. Apesar da boa relação que Chávez tinha com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso — a quem chamava de mi maestro —, foi ao longo do governo do PT que essa aliança se consolidou. Tanto que, em outubro de 2012, às vésperas da eleição de Chávez para o quarto mandato, Lula, já ex-presidente, gravou um vídeo de apoio ao colega socialista. “Chávez, conte comigo, conte com o PT, conte com a solidariedade e o apoio de cada militante de esquerda, de cada democrata e de cada latino-americano. Sua vitória será a nossa vitória.”

No poder por 14 anos, o venezuelano ganhou espaço no noticiário como porta-voz do continente, aglutinou em um bloco alternativo países como Bolívia e Equador, e defendeu políticas claramente antibrasileiras, como a nacionalização de ativos da Petrobras pelo presidente boliviano, Evo Morales.

“Em troca dessa aproximação política e ideológica, o Brasil acabou, em vários momentos, abrindo mão de uma agenda comercial mais efetiva”, observou Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria.

Chávez manteve um relacionamento estreito com os mandatários brasileiros. Desde 1999, fez 27 visitas ao país, a maioria (22) no governo Lula, período em que as relações econômicas fermentaram. Para encontrar-se com Dilma, foram duas visitas, enquanto a presidente brasileira foi ao país vizinho apenas uma vez. As trocas comerciais entre os dois países saltaram de US$ 883,3 milhões em 2003 para US$ 5,6 bilhões em 2012. No ano passado, o Brasil exportou US$ 3,8 bilhões a mais do que importou. Para o professor do curso de história da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em relações internacionais Carlos Eduardo Vidigal, o superáavit brasileiro pode explicar a “paciência da diplomacia do país” com Chávez.

Paciência porque o venezuelano provocou alguns momentos de mal-estar com o governo brasileiro. Em 2005, propôs que a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) buscasse um modelo econômico alternativo ao Mercosul. No ano seguinte, incentivou Morales a nacionalizar unidades de extração de gás da Petrobras na Bolívia. Ao longo do mandato, Chávez deixou para trás acordos na área petrolífera. Não cumpriu, por exemplo, sua parte na construção da Refinaria Abreu e Lima, no Porto de Suape, em Pernambuco. Já o Itamaraty, nos bastidores, se preocupou com a decisão de Chávez de comprar armamento russo.

A Embraer também foi proibida de vender aviões para o país sul-americano. Em 2006, Chávez acertara um contrato de US$ 470 milhões com a empresa brasileira para a aquisição de 12 aviões AMX-T (última geração da família de caças Tucano), ao custo de US$ 300 milhões, e de 24 aviões-patrulha Super Tucano, por US$ 170 milhões. Emissários do governo de George W. Bush ameaçaram suspender o fornecimento de componentes para os aviões da Embraer, inclusive civis, caso a compra fosse efetivada.

Mas o Brasil teve papel preponderante na entrada da Venezuela no Mercosul. A permissão deu-se após o polêmico impeachment do presidente do Paraguai, Fernando Lugo. Como o Paraguai — que não aprovou a entrada da Venezuela — foi suspenso do bloco comercial, abriu-se espaço para a admissão dos venezuelanos.