O Estado de São Paulo, n.46296, 19/07/2020. Economia, p.B6

 

Pandemia impõe dilema sobre escritório

Fernando Scheller

Mônica Scaramuzzo

19/07/2020

 

 

Companhias anunciam redução de espaços para cortar custos, mas terão o desafio de diminuir densidade de trabalhadores em escritórios

Nova era. Sucesso do home office e pandemia podem desafiar modelo de edifícios com alta densidade de trabalhadores

Com a maior parte das empresas brasileiras ainda adotando o trabalho remoto por causa da pandemia de covid-19, abriu-se a caixa de Pandora no mercado de escritórios corporativos: será que o modelo adotado até agora é o mais eficiente? À medida que os funcionários retomam o trabalho presencial, algumas tendências já se desenham: redução da densidade "populacional" dos espaços corporativos, a possibilidade de espalhar escritórios por várias regiões da cidade para facilitar a vida dos colaboradores e, inevitavelmente, a devolução de espaços para reduzir pesados gastos com aluguel.

Economia é prioridade, ainda mais em um cenário de depressão econômica. O Banco do Brasil, por exemplo, vai devolver 19 de seus 35 edifícios de escritórios em sete capitais e no Distrito Federal, com economia estimada em R$ 1,7 bilhão em 12 anos. A XP cancelou planos em São Paulo, onde o metro quadrado é mais caro, para construir um câmpus em São Roque, a 60 km da capital.

Outro banco que pretende estender o trabalho remoto é o Itaú, apurou o Estadão, com a chance de devolução de escritórios localizados fora da sede principal. O Itaú diz, em nota, que manterá os colaboradores das áreas administrativas em home office pelo menos até 1.º de setembro. "Existe uma frente de trabalho dedicada unicamente a estruturar o nosso modelo de trabalho a partir de setembro", afirma. Já o banco digital C6, que está em fase de expansão, vai frear por ora os planos de alugar novos escritórios. Os novos times serão acomodados nos oito andares que a empresa já ocupa na Avenida 9 de Julho, na capital paulista.

Apesar do aspecto econômico, o modelo de ocupação corporativa no Brasil – especialmente em São Paulo – não combina nem um pouco com distanciamento social. Segundo Fábio Maceira, presidente da multinacional do setor imobiliário JLL, a dificuldade de deslocamento causou um grande adensamento em prédios corporativos. Quem trabalha na Faria Lima sabe bem: não raramente há filas no elevador na hora do almoço e briga para pegar um Uber ao fim do expediente.

Por causa do preço do metro quadrado e do fato de as empresas buscarem sempre os mesmos locais, hoje não é incomum que prédios em São Paulo concentrem um trabalhador a cada 6 ou 7 m². Maceira diz que muitos espaços corporativos hoje atuam no limite do permitido pelo Corpo de Bombeiros. Em Nova York, diz ele, a densidade média é de 1 trabalhador para cada 10 m². Na Alemanha, essa relação vai para 13 m² para cada colaborador.

Embora as grandes companhias estejam muito dispostas a economizar com escritórios – uma vez que, especialmente para estruturas administrativas, esses espaços não gerem receita aos negócios –, Maceira explica que as regras de distanciamento social vão exigir que o espaço atual abrigue menos gente. No escritório da própria JLL, que concentrava 240 pessoas antes da pandemia, agora vão trabalhar 66 funcionários.

Para Daniel Cherman, diretor geral da Tishman Speyer, outra companhia que desenvolve e administra escritórios, a necessidade de ampliar o espaço entre as pessoas deve limitar as devoluções. No entanto, ele diz que prédios mais antigos – que que dificultam o redesenho dos espaços – podem sofrer mais no pós-pandemia. "Acho que ainda é muito cedo ( para dar um veredicto sobre a ocupação de escritórios). Acho que as empresas ainda estão analisando."

Impactada pela pandemia, a XP está repensando não só seu modelo de escritório – mas sua dinâmica de trabalho. "Queremos que nossa cultura seja calcada no conceito 'a XP de qualquer lugar'. A premissa é quebrar a lógica de espaço. Não precisamos estar na Faria Lima para fechar um negócio", diz Lana Brandão, gerente de gente e gestão da corretora. A empresa vai adotar o home office para toda a equipe até o fim de 2020.

Curto prazo. Se ainda não está clara a quantidade de metros quadrados que serão poupados, o mercado de locação de escritórios já começa a se preparar para auxiliar em uma transição de modelo. A São Carlos Empreendimentos, dona de diversos escritórios em São Paulo, adotou um modelo de locação com contratos de 12 meses – geralmente, os acordos no setor costumam durar 5 ou 10 anos.

É uma forma de garantir que as empresas possam testar modelos pós-pandemia com rapidez, diz Caio Scarpetti, responsável por esse conceito na São Carlos em São Paulo. É outro sinal de que os ventos da mudança inevitavelmente virão para os escritórios corporativos.

Todo mundo junto

143

é o total de trabalhadores, em média, em um escritórios de mil metros quadrados no Brasil; na Alemanha, essa média cai quase à metade, para 77 pessoas