Título: BC abre as portas para alta dos juros
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 07/03/2013, Economia, p. 12

Banco Central atende pleito do mercado, muda comunicado e indica que pode elevar a taxa básica já na reunião de abril. Instituição afirma que o controle da inflação passou a prevalecer sobre o crescimento econômico

Sem uma recuperação consistente da economia e com o consumo das famílias perdendo força, o Banco Central decidiu ontem manter a taxa básica de juros (Selic) em seu mínimo histórico: 7,25% ao ano. O Comitê de Política Monetária (Copom) mudou, porém, completamente o comunicado ao mercado após a sua reunião ante os documento anteriores e apagou a expressão “suficientemente prolongado”, que, até então, assegurava que os juros não seriam elevados por um bom período.

No entender dos analistas, o BC abriu as portas para uma possível alta da taxa já em abril, caso a inflação, que, em 12 meses, está 6,2%, não dê sinais claros de queda. Se o custo de vida continuar apontando para cima, mesmo que o Produto Interno Bruto (PIB) permaneça frágil, a Selic subirá. Será uma questão de a autoridade monetária recuperar pelo menos parte da credibilidade que perdeu nos últimos meses. A expectativa do Palácio do Planalto é de aumento máximo de um ponto percentual.

O BC informou que continua preocupado com o crescimento do país, mas que a inflação, a curto prazo, ganhou mais peso nas próximas decisões. “O Copom acompanhará a evolução do cenário macroeconômico até a sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária”, ressaltou em nota. Segundo Tatiana Pinheiro, economista do Banco Santander, o recado foi claro: “O BC mandou uma única mensagem, o de que o viés dos juros é de alta. O foco agora é a inflação”. O próximo encontro do Copom está marcado para 16 e 17 de abril.

Desde outubro do ano passado, os juros seguem em 7,25% ao ano. Mas o cenário benigno alardeado pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, não se concretizou. A inflação recuperou o fôlego e há risco de, nos próximos meses, superar o teto da meta, de 6,5%, o que enterrará de vez a credibilidade da autoridade monetária. O mercado acusa Tombini de ser leniente com a inflação para garantir um pouco mais de crescimento econômico e satisfazer os desejos de reeleição da presidente Dilma Rousseff. A ordem no governo é impedir que o desempenho frustrante de 2012, de crescimento de 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB), se repita.

Na visão de Roque Pellizzaro, presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), a decisão do BC indica cautela. “O atual modelo econômico favorável ao consumo já começa a dar sinais de esgotamento. A nossa expectativa é de que haja um recuo da inflação nos próximos meses”, afirmou. Para Gabriel Gersztein, estrategista-chefe da ICAP Brasil, o BC tem sido mais tolerante com a inflação a curto prazo, porque quer ver sinais mais robustos da atividade. “O Banco Central acredita que não perderá nada se esperar um pouco mais até que o crescimento se materialize no Brasil”, argumentou. A seu ver, o Copom pode estar prevendo alguma desaceleração nos preços dos alimentos nos próximos meses, o que possibilitaria adiar a elevação dos juros.

Alimentos O Índice de Commodities produzido pela autoridade monetária e divulgado ontem, por exemplo, mostrou queda no valor desses produtos básicos com cotação internacional. Na média, o recuo foi de 4,34% no ano até fevereiro. Entre os itens agrícolas, o tombo atingiu 5,61% em dois meses. A expectativa é de que essas reduções cheguem à mesa do consumidor em breve e aliviem o custo de vida do brasileiro. Apesar dessa perspectiva, o mercado projeta que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapasse os 6,5% no acumulado de 12 meses entre junho e julho, o que tem atormentado o BC, que praticamente perdeu o controle das expectativas..

Para Samy Dana, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), a inflação deve desacelerar após chegar ao pico, em meados do ano, mas ainda assim pode fechar 2013 em nível elevado, em 5,8%. Será o terceiro ano consecutivo de IPCA muito acima do centro da meta. “Uma taxa de 5,8% está bem próximo do teto da meta. O governo precisa parar de incentivar o crédito desenfreadamente e aumentar a capacidade de produção das indústrias, estimulando a ampliação de fábricas e investimentos a longo prazo”, criticou.

Na avaliação de alguns especialistas, antes de subir a taxa básica, o BC pode optar por medidas alternativas, chamadas de macroprudenciais, como o aumento dos depósitos compulsórios para regular o volume de dinheiro a disposição dos brasileiros. Mas essa possibilidade perdeu força a partir do comunicado pós-reunião do Copom.

Poupança registra captação recorde Apesar da baixa rentabilidade, os brasileiros correram para a tradicional caderneta de poupança em fevereiro. Os depósitos superaram os saques em R$ 2,3 bilhões, o maior valor já registrado para o mês desde 1995, quando o Banco Central começou a registrar a movimentação de recursos nessa modalidade de investimento. Com o desempenho, o saldo total das aplicações chegou a R$ 505,6 bilhões. Para especialistas, a poupança, que atualmente paga 0,4134% ao mês, tem atraído tantos recursos por ter sido um dos investimentos com menor prejuízo em 2013, até o momento, e por ser isenta de Imposto de Renda. Além disso, os poupadores estão fugindo de outros produtos financeiros, como os Certificados de Depósito Bancário (CDB). Apenas entre o fim do ano passado e 22 de fevereiro, o saldo desse investimento encolheu 3,71%. Nos últimos dois anos, houve uma fuga de R$ 96,1 bilhões dos CDBs para outras opções e para o consumo.