Título: Santa Sé quer reserva
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 07/03/2013, Mundo, p. 26

Enquanto o mundo católico aguarda ansioso a escolha do novo papa, o Vaticano pregou o silêncio ontem em Roma. As coletivas diárias dos cardeais norte-americanos, paralelas às da imprensa oficial da Santa Sé, foram proibidas, e o camerlengo Tarcisio Bertone pediu aos cardeais que “respeitem seu voto de silêncio”. Ao mesmo tempo, os religiosos reunidos em Roma, inclusive brasileiros, continuam a pressionar por mais informações sobre documentos secretos ligados ao escândalo do Vatileaks. Ao fim da quarta reunião preparatória, chamada Congregação Geral, a data para o início do conclave, mais uma vez, não foi anunciada.

As conversas diárias dos cardeais dos Estados Unidos após os encontros em Roma com a imprensa parecem não ter agradado ao Vaticano. O evento programado para a manhã de ontem foi cancelado. Segundo um comunicado oficial do prelado dos EUA, uma preocupação emergiu na Congregação Geral sobre vazamentos de processos sigilosos noticiados em jornais italianos. “Os cardeais concordaram em não conceder entrevistas”, indicou o texto. O jornal italiano La Stampa, em seu canal exclusivo Vatican Insider, escreveu que o presidente da comunicação oficial da Santa Sé, padre Federico Lombardi, parecia irritado com as coletivas não oficiais e foi “seco” ao ser questionado sobre o fato. “Pergunte a eles (americanos)”, respondeu o padre.

Lombardi expressou, em sua conversa com os mais de 5 mil jornalistas credenciados, que o colégio de cardeais, como um todo, havia decidido manter um “crescente grau de reserva” e que os encontros pré-conclaves são parte de um processo solene na escolha do papa. Por isso, discursou, precisam de um “clima de confidencialidade”. Jornais italianos especularam, porém, que a principal razão seria a declaração do arcebispo de Boston, cardeal Sean O’Malley, na terça-feira, abrindo a possibilidade de um atraso no início do processo de escolha para que os religiosos tenham mais tempo a fim de se preparar. A declaração teria desagradado os cardeais italianos. O Vaticano negou que tenham havido qualquer pressão. O camerlengo, que assumiu as funções administrativas da Santa Sé após a renúncia do papa Bento XVI, em 28 de fevereiro, também defendeu a discrição dos cardeais durante a Congregação Geral.

Mas, enquanto o Vaticano pregava prudência, os cardeais insistiam por mais informações sobre o escândalo que antecedeu a renúncia de Bento XVI. Eles aguardam detalhes de um relatório secreto sobre o casos de intrigas na alta cúpula do Vaticano, no que ficou conhecido como Vatileaks. Os religiosos aptos a votarem no conclave — um total de 115 com menos de 80 anos — querem saber mais sobre o que aguarda o futuro líder da Igreja Católica. Segundo o Vatican Insider, o cardeal brasileiro dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, adicionou seu nome à lista dos que gostariam de ter acesso aos dados. Nesse relatório, elaborado por três cardeais, estaria o principal motivo da histórica renúncia. Especula-se que ele esteja ligado aos escândalos envolvendo sacerdotes em denúncias de pedofilia.

Dias antes dos encontros em Roma, o cardeal Keith O’Brien, que renunciou ao cargo de arcebispo de Edimburgo, o mais alto no Reino Unido, disse que não iria ao conclave depois de admitir “conduta imprópria” com seminaristas no passado. Uma das principais associações internacionais de vítimas de abusos de religiosos — a Rede de Sobreviventes Abusados por Padres (Snap, na sigla em inglês) — divulgou ontem, em Roma, uma lista questionando os nomes de outros 12 cardeais. Segundo a rede, eles não deveriam ser considerados candidatos a papa por não terem sido rigorosos o suficiente com os casos de pedofilia. Ao ser questionado sobre a lista, Lombardi não se prolongou. “Não cabe à Snap dizer quem deve participar ou não. Os cardeais podem tomar suas decisões sem a necessidade de pedir conselhos à Snap.”

Debates saudáveis Apesar de polêmico, o debate que ocorre em Roma às vésperas do conclave é saudável para o futuro da Igreja Católica, na avaliação do professor Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-São Paulo. Na opinião do especialista, o momento é de maior transparência quando se compara os pré-conclaves que elegeram João Paulo II e Bento XVI. No caso da pedofilia, por exemplo, os religiosos têm agora a chance de lidar com o problema e não se atrelar à antiga postura de tentar esconder ao máximo os escândalos. “Neste momento, a Igreja pode se libertar de um monte de problemas existentes que o Vaticano não sabia como resolver”, avaliou ao Correio. “Os cardeais, no (atual) conclave, se sentirão mais seguros de suas decisões, dos caminhos da Igreja do que se sentiam no passado. Eles sabem a gravidade dos problemas.”

O Vaticano aguarda, hoje, a chegada dos dois últimos arcebispos (Polônia e Vietnã) para completar o colégio de cardeais eleitores. Ontem, depois do encontro em Roma, os cardeais se reuniram para uma oração especial na Basílica de São Pedro.