Valor econômico, v. 21, n. 5115, 27/10/2020. Política, p. A7

 

Militares ganham mais tempo para agir na Amazônia

Matheus Schuch

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

27/10/2020

 

 

Insatisfação com declaração de Salles não foi totalmente superada

Em meio às divergências e troca de provocações entre o ministro do Meio Ambiente e a ala militar do governo, o vice-presidente da República e presidente do Conselho Nacional da Amazônia, Hamilton Mourão, anunciou ontem que as Forças Armadas ficarão por mais tempo na Amazônia. O atual decreto de Garantia da Lei e da Ordem, que vence em novembro, será prorrogado até abril do ano que vem.

Diferentemente de Salles, Mourão já reconheceu que a ação do governo contra a destruição ambiental começou tarde e que é preciso agilidade e eficiência para superar os prejuízos, que incluem possíveis barreiras para acordos comerciais.

“Vamos prorrogar até abril, o presidente tem que assinar entre esta semana e semana que vem. Nós estamos com recurso e ele é suficiente para ir até abril. Tinham sido alocados R$ 400 milhões, acho que ainda tem R$ 180 milhões”, afirmou o vice-presidente, no Planalto. “Nós precisamos prosseguir porque a gente quer entrar em um círculo virtuoso de queda do desmatamento. Para derrubar [os números] nós temos que ter gente em campo, fiscalizando”, disse.

Na conversa com jornalistas, Mourão avaliou que a rusga entre Salles e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos foi contornada pelo presidente Jair Bolsonaro, após a reunião de sexta-feira. Salles pediu desculpas por ter chamado o colega de Esplanada de “Maria fofoca” e “banana de pijama” e Ramos retribuiu com a publicação de uma mensagem em tom de pacificação.

“Não existe unanimidade [no governo]”, admitiu o vice-presidente, ponderando que as divergências devem ser tratadas internamente. “Mas os ministros são o Estado Maior do presidente, se está havendo alguma rusga o comandante tem que intervir e dizer ‘vamos baixar a bolinha aí, vamos se acalmar’”.

Nos bastidores, no entanto, fontes afirmaram ao Valor que o clima segue ruim. A avaliação entre militares é de que os generais não podem ficar sujeitos a uma “humilhação pública dessas”, como classificou um oficial, enquanto agem para apresentar resultados efetivos na área de atribuição do ministro que os ataca.

A disputa entre Salles, que tem o apoio dos filhos de Bolsonaro e de integrantes da chamada ala ideológica, e os militares está ligada diretamente a divergências sobre o combate a ilegalidades, desmatamento e queimadas na Amazônia e no Pantanal.

O protagonismo de Mourão, do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e de outros oficiais envolvidos em ações extraordinárias na área de Meio Ambiente incomodaram Ricardo Salles. Outra questão que irritou o ministro foi o congelamento de recursos para atuação do Ibama e outros órgãos vinculados à sua pasta.

Salles disparou críticas diretas a Ramos por enxergar no general a coordenação de articulações para tira-lo do cargo. Na disputa, Ramos ganhou o apoio de deputados do Centrão e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que reagiram, principalmente, ao “grupo ideológico” de apoiadores de Bolsonaro, alinhados a Salles.

Os parlamentares sentem-se igualmente atacados pela militância ideológica, que repudia os acordos fechados por Ramos e pelo próprio Bolsonaro com os congressistas. “É meio óbvio estar alinhado ao lado de quem está contra os ideológicos”, afirmou um deputado influente, que vê ataques organizados por esse grupo contra a cúpula do Congresso e os políticos em geral na internet.

Ramos também é fiador dos acordos fechados por esses parlamentares e partidos com o governo, como a nomeação de aliados políticos e a liberação de verbas para redutos eleitorais, que poderiam ficar comprometidos com a troca de ministro.

Embora incomodado com a exposição e o desgaste do caso, o Valor apurou que Bolsonaro teria sinalizado que não pretende tomar uma atitude brusca no curto prazo, como demissão ou reprimenda pública de um ou outro ministro.