Título: Templo para o culto eterno
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Fonte: Correio Braziliense, 08/03/2013, Mundo, p. 16

Hugo Chávez será embalsamado e transferido para o Museu da Revolução, onde ficará em exposição permanente. Governo venezuelano espera a presença de 50 delegações na cerimônia fúnebre oficial

Dois dias depois da morte, Hugo Chávez foi ontem elevado fisicamente à categoria de herói com panteão próprio, a ser cultuado como símbolo permanente da Venezuela. “Foi decidido que o corpo do comandante será embalsamado, para que seja eternamente visto pelas pessoas no Museu da Revolução”, proclamou o vice-presidente Nicolás Maduro, substituto e candidato designado à eleição presidencial, que deve ser convocada nos próximos 30 dias. Maduro anunciou que o corpo do líder será transferido da Academia Militar de Caracas para o Museu Militar, onde continuará em exposição pública por “ao menos mais sete dias”, para permitir que milhares de simpatizantes vindos de todo o país continuem prestando homenagem — com transporte público para facilitar o acesso. Depois desse período, será exibido em uma urna de vidro em mausoléu especial, ainda em construção.

Com o sepultamento cancelado, uma cerimônia fúnebre oficial foi marcada para hoje, às 11h (12h30 em Brasília). Representantes de 50 países devem estar presentes, pela estimativa do governo (leia na página ao lado), para demonstrações de respeito ao dirigente que alimentou por todo o mundo paixões extremas, tanto entre os admiradores quanto entre os adversários. Encerrado o ato, o corpo de Chávez será levado para o museu militar, possivelmente com a repetição do cortejo que o conduziu do Hospital Militar para o velório na Academia Militar.

As estimativas oficiais apontaram que, apenas ontem, mais de 2 milhões de pessoas esperaram em fila pela chance de despedir-se de Chávez. O tempo de espera chegou a até nove horas, informou o jornal venezuelano El Nacional. “Não quero ir embora daqui, embora fique doente de tanto esperar para vê-lo”, disse à agência France-Presse Pedro Yáñez, funcionário da prefeitura de Ciudad Piar, no sul do país, que deixou a esposa e três filhos em casa para se deslocar à capital. Como ele, inúmeros simpatizantes enfrentaram o cansaço, o calor e a falta de estrutura, principalmente de banheiros públicos e estabelecimentos comerciais — tudo para avistar pela última vez o líder morto. As autoridades esperam que moradores de outras cidades continuem chegando a Caracas nos próximos dias.

Quem passou pela academia viu Chávez em um caixão relativamente simples, aberto apenas até a região do abdômen. O governo não autorizou nenhum registro que mostrasse o rosto do presidente, mas simpatizantes e jornalistas que estiveram no local relataram que Chávez foi vestido com traje verde-oliva, gravata preta e a emblemática boina vermelha. Uma bandeira da Venezuela cobria a parte fechada do caixão, no qual também foi colocada uma espada de ouro, réplica da usada pelo líder da independência da América espanhola e idealizador da Grã-Colômbia, Simón Bolívar. O público começou a ter acesso ao velório na noite de quarta-feira, após uma cerimônia reservada para a família, dignitários visitantes e membros do gabinete.

Paralelamente às manifestações populares, a corrida sucessória começa a ganhar terreno, com a cúpula chavista aproveitando a comoção para reforçar a indicação feita por Chávez em 8 de dezembro, antes de embarcar para a quarta cirurgia contra o câncer, em Cuba. Na ocasião, Chávez apontou Maduro como seu herdeiro e como candidato em uma possível sucessão. “Chávez, eu juro: voto em Maduro”, gritavam ontem grupos de apoiadores. A oposição, que se mantém discreta no momento de luto, para evitar atritos, também se articula para enfrentar uma campanha rápida e atípica tendo como candidato o governador do estado de Miranda, Henrique Capriles — derrotado por Chávez na última eleição que disputou, em outubro passado.

Depoimento

Uma cidade em transe

» Rodrigo Craveiro Enviado especial Caracas — Nas ruas, carros com frases pichadas a giz ou a tinta. Palavras de amor ao presidente. “Para sempre, Chávez” e “Eu sou Chávez” estampam vários veículos. Ambulantes vendem pequenas bandeiras da Venezuela e alguns motoristas já as exibem em seus automóveis, com orgulho. Por todos os lados, existem alusões ao líder bolivariano. Velado na capela ardente da Academia Militar, Hugo Chávez está em cada parte de Caracas. São muitos os outdoors e os murais com fotos do chefe de Estado, considerado para muitos tão importante quanto o libertador Simón Bolívar. No alto da favela vertical 23 de Enero, na entrada de Caracas, uma gigantesca placa com as palavras “Você também é Chávez” se destaca na paisgagem. Carros blindados, acompanhados de batedores da polícia, podem ser vistos com frequência no trajeto entre o Aeroporto Internacional de Maiquetía e o centro de Caracas, nos dois sentidos. Até ontem, 55 governantes tinham expressado as condolências ao governo da Venezuela.

Quase todas as rádios da capital venezuelana transmitem ao vivo o noticiário sobre os funerais. As autoridades decretaram lei seca em todo o país, em vigor até a próxima terça-feira. No aeroporto, nem mesmo as lojas do Duty Free estão autorizadas a vender bebidas alcoólicas. Ao anunciar que o corpo de Chávez será levado para o Museu da Revolução, o presidente interino, Nicolás Maduro, o comparou a figuras históricas, como Mao Tsé-tung e Lênin. “Os restos do comandante presidente serão levados a um lugar especial, que ainda está sendo construído, para que repousem”, declarou Maduro.