Título: Comando chavista adverte a imprensa
Autor: Valente, Gabriela Freire
Fonte: Correio Braziliense, 08/03/2013, Mundo, p. 18

A relação tempestuosa entre a imprensa venezuelana e o regime bolivariano, uma das marcas dos 14 anos de governo de Hugo Chávez, voltou ontem à cena em meio à comoção popular pela morte do presidente — e ameaça projetar sombras no processo sucessório. O chanceler Eliás Jaua advertiu ontem os meios de comunicação para que tratem com cautela as informações sobre o líder e evitem análises políticas “que possam provocar o povo” e gerar “situações de violência”. Segundo Jaua, “a direção político-militar da Revolução Bolivariana está fazendo os maiores esforços para canalizar a dor da população”. O vice-presidente Nicolás Maduro, candidato do chavismo na eleição a ser realizada nos próximos 30 dias, reforça o vínculo de sua imagem com o presidente morto na terça-feira, enquanto a oposição se manifesta com timidez.

De acordo com o jornal El Universal, o presidente da Mesa de Unidade Democrática (MUD), Pedro Meléndez, voltou a clamar pela “reconciliação nacional” e pelo diálogo, para que a Venezuela “siga adiante com a democracia”. Apesar de integrantes da coalizão opositora terem confirmado à agência Reuters a candidatura de Henrique Capriles, governador do estado de Miranda, Meléndez afirmou que a escolha continua em discussão. “Essas condições se referem a uma estratégia política e eleitoral que se constrói com a morte do presidente eleito”, declarou.

Uma sondagem feita pela consultora Hinterlaces, antes da morte de Chávez, apontava 50% de intenção de voto para Maduro e apenas 36% para Capriles. Nessas condições, Luiz Fernando Ayerbe, Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), explica que o papel dos antichavistas no pleito se resumirá a sinalizar que há forças sociais contrárias ao governo e a buscar o fortalecimento para eleições futuras. “É um momento muito complicado, pois, com apenas 30 dias, é muito difícil organizar uma campanha”, pondera Ayerbe.

A oposição enfrenta ainda o desafio de se reestruturar, depois de ter perdido parte do poder de mobilização nas eleições passadas. Para Kenneth Roberts, professor de ciência política da Universidade Cornell, em Nova York, a ausência de Chávez deixa um vazio também para seus adversários. “As forças de oposição se uniram para desafiá-lo nas recentes eleições, mas permanecem fragmentadas”, escreveu ele, em artigo na publicação Comparative Politics.

Em meio à indefinição que cercou a agonia do presidente, a estratégia da oposição foi culpar Maduro — enquanto titular do governo, na ausência de Chávez — pelas dificuldades econômicas do país (leia Três perguntas para). Ontem, o Banco Central da Venezuela (BCV) informou que a inflação acumulada nos primeiros dois meses de 2013 é de 5%, o dobro do registrado no mesmo período do ano passado. Para Ayerbe, professor da Unesp, Maduro terá outras preocupações, além das críticas em torno da economia. “O desafio é muito mais interno. Ele terá de se firmar como líder, já que não tem unanimidade dentro do próprio chavismo”, explicou.

Diplomacia Nas relações exteriores, Ayerbe acredita que Maduro não enfrentará grandes impasses, uma vez que comandou a pasta por cerca de seis anos e acumulou bons contatos com diversos chefes de Estado. Ayerbe minimizou o episódio da expulsão de adidos militares americanos, na terça-feira, dia da morte de Chávez. “Isso foi visto mais como uma manifestação a fim de marcar posição ideológica”, afirmou. Na quarta-feira, uma fonte do Departamento de Estado norte-americano afirmou que estão sendo avaliadas represálias. “Obviamente, temos o direito de reagir”, disse o funcionário.

Paralelamente, Washington parece trabalhar com a perspectiva de que a transição favoreça, a médio prazo, uma cautelosa normalização das relações bilaterais. “Continuamos aspirando a uma relação mais produtiva e funcional. Acreditamos que podemos cooperar em interesses comuns, como a luta contra o narcotráfico”, declarou o mesmo funcionário do Departamento de Estado.

Três perguntas para

José Vicente Carrasquero, Professor de ciência política da Universidade Simón Bolívar e da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas

Com eleições à vista, os partidos venezuelanos já se preparam para a disputa? Ainda não se veem sinais de campanha nas ruas, mas os partidos se preparam para o que vem e estão esperando o anúncio do Conselho Nacional Eleitoral sobre o que se pode fazer em termos de propaganda política. O que se pode dizer é que as cerimônias fúnebres estão sendo aproveitadas pelos governistas para fazer o que os psicólogos chamam de condicionamento clássico para criar uma associação direta entre Maduro e Chávez.

Caso seja eleito, Maduro terá o mesmo apoio com que seu mentor contou? Maduro está longe de ter o apoio popular de Chávez. Seu governo não terá a mesma força e terá de recorrerpara o aumento da repressão, como já está fazendo. Para resolver os problemas econômicos, alvo de críticas da oposição, ele terá que deixar de lado posições ideológicas nacionalistas e anticapital. Na falta disso, a Venezuela continuará afundando economicamente e socialmente — o que, é claro, tem implicações na capacidade do chavismo para permanecer no poder.

Qual pode ser a arma da oposição? Maduro deverá enfrentar uma série de críticas quanto aos problemas que afetam os venezuelanos e a qualidade de vida, que já vem piorando. Problemas como a inflação, a escassez de produtos da cesta básica, o aumento da criminalidade e a falta frequente de energia configuram um quadro preocupante que se conjugará, futuramente, com as demandas dos sindicatos e de outros grupos de pressão dentro da sociedade.