Título: Na falta de cadeia, casa
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2013, Política, p. 5

Em meio às dúvidas sobre quando vão ser efetivadas as penas dos réus condenados no julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que se pronunciar sobre um processo que trata da possibilidade de concessão de prisão domiciliar aos condenados em regime semiaberto. O recurso protocolado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra uma decisão da Justiça gaúcha nada tem a ver com o mensalão, mas poderá interferir no cumprimento das penas dos réus da Ação Penal nº 470, além de também tirar da cadeia milhares de brasileiros detidos em estabelecimentos impróprios.

O tema é tão controverso no meio jurídico que o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, convocou uma audiência pública para ouvir especialistas antes de levar o processo a julgamento. Em pauta, estará a progressão para a prisão domiciliar quando não houver colônias agrícolas ou industriais, que são os estabelecimentos onde devem ser detidos os réus do regime semiaberto. Juristas ouvidos pelo Correio alertam que praticamente inexistem no país locais adequados para abrigar detentos desse regime.

O recurso contra a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul, que permitiu a um réu cumprir pena em casa enquanto não houvesse estabelecimento prisional que atendesse os requisitos da Lei de Execuções Penais (LEP), teve sua repercussão geral reconhecida pelo Supremo. Isso significa que, qualquer que seja a decisão, ela servirá de parâmetro para toda a Justiça brasileira.

“Se o Supremo decidir que todos podem ir para casa, evidentemente a decisão atingirá os réus do mensalão”, afirmou o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra. Ele é contrário ao abrandamento da pena por considerar que a liberação de um detento que deveria estar isolado significará aumento na violência. Desembargador da Justiça de São Paulo, Calandra observa que falta fiscalização das prisões domiciliares, o que acarreta na liberdade para pessoas que deveriam estar detidas. “Aplicar uma pena e ela acabar não sendo cumprida desmoraliza o sistema penal, difunde a ideia de impunidade e provoca uma instabilidade no país”, destaca. O magistrado relata que perdeu uma prima, em Salvador, assassinada na frente da filha de 3 anos por um apenado do regime semiaberto, que estava nas ruas beneficiado por decisão semelhante àquela que é alvo de recurso no STF.

Para o presidente da AMB, quando faltarem vagas nos estabelecimentos, a solução é mandar o detento para uma penitenciária. Atualmente, muitos presídios têm alas específicas para condenados ao semiaberto, embora não exista qualquer previsão legal para que isso ocorra. “O sistema penitenciário não recupera ninguém, mas soltar uma pessoa sem nenhum compromisso com a reinserção e reeducação é a mesma coisa que dar um salvo conduto para o cometimento de novos crimes”, comparou Calandra.

Mensaleiros No caso do mensalão, 11 dos 25 condenados cumprirão pena em regime inicialmente semiaberto. Entre os condenados nesta situação estão os deputados José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), além do presidente do PTB, Roberto Jefferson. Todos pretendem recorrer contra a condenação definida pelo STF, mas, caso as penas sejam mantidas, vão apostar no julgamento do recurso que motivou a audiência pública marcada para maio ou junho. Os réus do regime fechado, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o empresário Marcos Valério, também poderão ser beneficiados por eventual decisão do Supremo no sentido de permitir a prisão domiciliar, pois, depois de cumprido um sexto da pena, eles poderão ganhar progressão para o regime semiaberto.

O ministro Marco Aurélio Mello alerta que há jurisprudência na Suprema Corte para que, em casos como o que gerou o recurso que será julgado pelo plenário, se conceda o benefício da progressão do regime ao réu quando não há estabelecimento próprio para o cumprimento da pena. “Não pode o condenado ficar num regime mais gravoso por deficiência do Estado. O sistema carcerário precisa ser revisto se é que se pretende de fato recuperar alguém”, salientou.

“Não pode o condenado ficar num regime mais gravoso por deficiência do Estado. O sistema carcerário precisa ser revisto se é que se pretende de fato recuperar alguém” Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal

“Aplicar uma pena e ela acabar não sendo cumprida desmoraliza o sistema penal" Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)