Título: Como surge um papa
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2013, Mundo, p. 12
Em todo o mundo — católico ou não —, aumenta a expectativa em torno do nome do sucessor de Bento XVI. Será um brasileiro? Um Santo Padre negro? Alguém que vá continuar o trabalho de Joseph Ratzinger ou, num estilo radical, construir uma nova Igreja? Tudo é mistério. A reunião muito apropriadamente chamada conclave (do latim, cum clave, e em português, com chave) denota o ambiente secreto na escolha do Sumo Pontífice, embora, ao longo dos séculos, ela esteja recheada de histórias, diferentes tempos de duração e até passagens cômicas.
O conclave é um ritual praticamente inalterado nos últimos oito séculos. No entanto, Bento XVI fez uma pequena mudança. Até dias atrás, a reunião do Colégio Cardinalício deveria começar entre 15 e 20 dias depois da renúncia ou da morte do papa, obedecendo a normas dos tempos medievais. Bento XVI, antes de renunciar oficialmente, flexibilizou esse prazo, determinando que o conclave pode ter início antes ou depois disso.
A palavra foi usada pela primeira vez em 1274, por Gregório X, ocupante do trono de São Pedro de 1271 a 1276 e cuja escolha foi a mais longa: os cardeais levaram dois anos, nove meses e três dias para chegar ao veredito, num processo iniciado em 29/11/1268 e concluído em 1/9/1271 (veja quadro). “Eram outros tempos, as viagens demoravam muito e pouco se sabia da vida dos cardeais, daí os extensos debates”, explica o padre Luís Henrique Eloy e Silva, professor de exegese bíblica da PUC-Minas, em Belo Horizonte, e assessor da comissão de doutrina da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A eleição de Gregório X, depois Beato Gregório X, atravessou os séculos sem perder o sabor. O conclave ocorreu em Viterbo, na Itália, conhecida como Cidade dos Papas, por ter sido sede papal durante 24 anos, de 1257 a 1281. “Como demorava muito, quase três anos, o povo de Viterbo destelhou o local em que os cardeais se encontravam, deixando-os expostos a chuva, sol e frio noturno. E, para piorar o quadro, à falta de comida. Cansados de esperar, os moradores passaram a oferecer apenas pão e água aos cardeais e alguns deles começaram a se sentir mal. Nessa pressão, foi eleito Gregório X, que não estava no conclave nem sacerdote era”, conta padre Luís Henrique.
“É provável que o atual conclave seja um dos mais rápidos da história da Igreja. Vivemos numa era de velocidade de informações, quando o conhecimento sobre as ideias dos cardeais está nos meios de comunicação e há mais contato entre eles”, diz o padre Luís Henrique, mineiro de Nepomuceno que estudou durante oito anos em Roma e, em 2008, foi nomeado, por Bento XVI, perito no sínodo sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja, no Vaticano. A história registra conclaves de curtíssima duração, apenas dois dias; entre eles, os de Santo Inocêncio V, Bonifácio VIII, Beato Bento XI, Urbano VI, João Paulo I e Bento XVI.
Escrutínio
As mudanças mais recentes no encontro dos cardeais — na atual eleição, serão 115, dos quais cinco brasileiros — foram feitas por João Paulo II. Pela Constituição Apostólica, a Universi Dominici Gregis, os antigos métodos de aclamação (um cardeal propõe um nome e os outros o aceitam de imediato) e de delegação no momento da eleição foram abolidos. “Atualmente, a eleição ocorre por escrutínios. Os eleitores usam um cartão retangular que funciona como cédula. No alto do papel, estão escritas em latim as palavras Eligo in summum pontificem (elejo como sumo pontífice)”, diz o padre Luís Henrique, lembrando que, para se visualizar o tamanho do cartão, basta pensar que quando dobrado ao meio ele tem apenas 2,5cm de largura.
Para que a eleição seja válida, são necessários dois terços dos cardeais votantes. Como agora eles são 115, será preciso dois terços mais um voto. Conforme a Universi Dominici Gregis, o cardeal, antes de depositar a cédula no cálice coberto com a patena, diz: “Juro por Cristo, Nosso Senhor, que será meu juiz, que o meu voto é dado àquele que diante de Deus eu acho que deve ser eleito”. Isso ocorre com os 115 cardeais: um a um se levanta e diz a frase, antes de depositar o voto no cálice. Se for necessário, a votação poderá se repetir até sete vezes no período de três dias. No caso de não haver resultados nesse prazo, os escrutínios são suspensos durante 24 horas, no máximo, a fim de se criar uma pausa para oração e livre colóquio entre os cardeais eleitores.
Duração imprevisível
Os mais longos Beato Gregório X (pontificado de 1/9/1271 a 20/1/1276) - 2 anos, 9 meses e 3 dias João XXII (pontificado de 5/6/1305 a 20/4/1314) - 2 anos, 4 meses e 6 dias São Celestino V (pontificado de 5/7/1294 a 10/12/1294) - 2 anos e 3 meses Nicolau IV (pontificado de 22/2/1288 a 4/4/1292) - 9 meses e 18 dias Bento XIV (pontificado de 17/8/1740 a 3/5/1758 - 5 meses e 31 dias Nicolau III (pontificado de 25/11/1277 a 22/8/1280) - 5 meses e 26 dias
Os mais rápidos Santo Inocêncio V (pontificado de 21/1/1276 a 22/6/1276) - 2 dias Bonifácio VIII (pontificado de 24/12/1294 a 11/10/1303) - 2 dias Beato Bento XI (pontificado de 22/10/1303 a 7/7/1304) - 2 dias Urbano VI (pontificado de 8/4/1378 a 15/10/1389) - 2 dias João Paulo I (pontificado de 26/8/1978 a 28/9/1978) - 2 dias Bento XVI (pontificado de 19/4/2005 a 28/2/2013) - 2 dias