Título: Desânimo em reduto da oposição
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2013, Mundo, p. 14

Chacao, um dos cinco municípios da Grande Caracas e reduto da oposição na Venezuela. Na Praça Altamira — o local onde três pessoas morreram à bala e 19 ficaram feridas, em 6 de dezembro de 2002 —, predominam a desconfiança, o medo e a frustração em relação ao futuro político do país. Poucos são os que se sentem à vontade para falar de política, mesmo depois da morte de Hugo Chávez. Nem mesmo a confirmação das eleições para 14 de abril foi o bastante para conter o desânimo.

“Por aqui, não existe oposição. A Venezuela vive uma mentira de dinheiro”, denuncia o economista Manoel, 60 anos, sob a condição de não revelar o sobrenome. “Quando a maior parte do poder público está nas mãos de um único setor, eles (governantes) fazem o que querem. Os advogados da Procuradoria Geral da República e do Tribunal Supremo de Justiça integram a mesma seita que governa”, afirma.

“A oposição tem que participar das eleições e voltar a ser oposição, caso seja derrotada”, defende o aposentado Hugo Villalobos, 60 anos. Ele não guarda falsas expectativas em relação à corrida eleitoral, mesmo com Chávez morto. “Creio que haverá uma enorme afluência às urnas, porque as pessoas estão desanimadas e por causa da morte de Chávez. Creio que consigamos uns 8 milhões de votos. A oposição precisa aproveitar para avançar um pouco”, sustenta.

Hugo não teme uma convulsão social ou política. “Enquanto tivermos o petróleo, tudo estará bem”, aposta. Ele critica o governo de Chávez e atribui o aumento da pobreza no país à Revolução Bolivariana. “A pobreza na Venezuela aumentou. Os pobres não melhoraram nem pioraram de vida, mas se conservaram pobres. Chávez lhes deu apartamentos e casas, mas eles seguem no mesmo patamar intelectual. Chávez criou missões, mas não ajudou a melhorar a qualidade de vida da população”, comenta Hugo.

Na Avenida Francisco Miranda, também em Chacao, a assessora de informática Adriana Piñeda denunciou o uso da morte de Chávez para fins políticos e eleitorais, por parte do presidente interino, Nicolás Maduro. “Parece-me que a oposição está um pouco debilitada e precisa encontrar a unidade para seguir trabalhando”, comenta a opositora. Coesão que pode ter começado a se desenhar com a escolha de Henrique Capriles Radonski como o único candidato da oposição às eleições presidenciais. Ela prevê que a morte do presidente servirá de combustível para o chavismo. “Mas penso que se aproxima o fim desse desastre.” De acordo com Piñeda, a oposição tem muito a fazer para se fortalecer e ameaçar o governo. “O regime de Chávez semeou o ódio entre os venezuelanos. Será uma tarefa dura reconstruir o país.”

Luto

Os chavistas ainda processam a morte de seu líder maior. Todos os dias, reúnem-se na chamada “Esquina Caliente”, a poucos metros do prédio da Assembleia Nacional. Vestidos de vermelho, muitos deles se amontoam em uma tenda usada como base dos governistas na Praça Bolívar. Ali, acompanham atentamente a cobertura dos funerais de Chávez, por meio de uma pequena tevê.

A miliciana Margarita Ramírez, 53 anos, aproxima-se do local. Usa o boné vermelho, uma camiseta com os dizeres “Chávez, coração da minha pátria” e uma bandana com as cores da Venezuela presa ao braço esquerdo. “Sei que Maduro seguirá o que Chávez lhe ensinou”, afirma. Ela diz que os opositores não têm razão ao denunciar a violação da ordem constitucional, com a posse de Maduro. “Tudo está correto, pois estamos trabalhando com a Constituição Bolivariana da Venezuela”, comenta.

Manuel Pérez Patrana, 70 anos, parece a própria expressão do revolucionário. Com a boina vermelha estilizada com a imagem de Chávez, ele cerra os punhos e levanta o braço para tirar uma foto. “Maduro tem que continuar o projeto que Chávez implantou. Ele fez um juramento ante o corpo de Chávez, para dar cumprimento ao governo”, opina o representante da Frente Ampla Nacional Bolivariana.

Ele sustenta que, apesar de o presidente estar morto, a Venezuela caminha dentro de uma revolução do socialismo. “Houve muito sangue e sacrifício para que ganhássemos essa liberdade. Agora, temos que trabalhar mais pelo pobre, pelo idoso e pelas crianças”, defende. Patrana crê numa vitória folgada de Maduro em 14 de abril. “O povo tem consciência própria de que Maduro vencerá, talvez com uma votação tão expressiva quanto a de Chávez. A oposição já não tem mais com o que contar. Cada partido político deles quer eleger um presidente. Mas o presidente deste país é Maduro.”

"Parece-me que a oposição está um pouco debilitada e precisa encontrar a unidade para seguir trabalhando"

Adriana Piñeda, assessora de informática

Três perguntas para

Tony De Viveiros, cientista político da Universidad Simón Bolívar e membro da oposição

Nicolás Maduro foi empossado e jurou lealdade a Hugo Chávez, diante do caixão. Como o senhor vê esse gesto? Parece-me um precedente terrível que Nicolás Maduro faça votos de lealdade a uma pessoa e não à Constituição e às leis da República. Essa declaração é uma clara amostra do que virá por parte do chavismo. Desde o início dos funerais de Chávez, o chavismo deixou evidente que pretende cimentar sua legitimidade sobre a base do culto ao líder falecido, tal como ocorre em regimes totalitários.

Maduro mudou de postura depois da morte de Chávez e se tornou mais rígido com a oposição? Sem dúvida alguma. Maduro necessita demonstrar, como delfim (herdeiro do trono) do chavismo, que tem a capacidade de ser tão radical e duro com seu adversário como foi Hugo Chávez. É uma maneira de ganhar a confiança dos setores mais radicais dentro do chavismo e serve para provocar temor e inquietação nas bases opositoras e estimular sua desmobilização, tanto para as eleições quanto para evitar eventuais manifestações.

Existe o risco de convulsão política na Venezuela? A curto prazo, o risco de convulsão política dependerá do próprio oficialismo. Se eles seguirem fechando as válvulas de escape para que a oposição expresse seu descontentamento, se seguirem estimulando o ódio e a divisão, e se arremeterem na perseguição aos adversários, é possível que forçarão a oposição a radicalizar-se.