Título: Conteúdo local cria impasse
Autor: Pinto, Paulo Silva
Fonte: Correio Braziliense, 10/03/2013, Economia, p. 9

Exigência de 60% de tecnologia nacional nos equipamentos fornecidos à Petrobras dificulta a vida da empresa

O governo já admite rever os percentuais de conteúdo nacional mínimo nos equipamentos fornecidos para a Petrobras e outras empresas que se dedicam à exploração e produção de petróleo no Brasil. A exigência atual é de 60% (em alguns casos, pode chegar a 90%), e tem por objetivo incentivar a indústria local, mas vem sendo criticada por ser um dos fatores da escalada dos custos da estatal. As dificuldades para cumprir as regras exigidas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), explicitadas pela série de atrasos nas entregas e pelos números financeiros da companhia, estão forçando essa revisão.

“A legislação existe para ser mudada e o governo avalia modificações nos patamares de nacionalização à luz da realidade industrial”, afirma o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Mauro Borges Lemos. Segundo ele, os atuais contratos de fornecimento serão respeitados e os ajustes só deverão valer a médio prazo. Em nota, a Petrobras salienta que “o índice de conteúdo local contratado é imutável” e “não cogita alterá-lo”.

Para o diretor da ANP, Florival Carvalho, não é preciso alterar a lei para evitar que a exigência de conteúdo local prejudique as companhias. Ele explica que a agência pode conceder um waiver (licença) desobrigando o cumprimento exato do percentual acordado, que pode variar conforme o contrato. “Há 29 pedidos de waiver em análise”, relata. Alguns dos processos poderão ter resultados em breve. As multas que as empresas terão de pagar pelo não cumprimento dos percentuais, se não receberem a licença, somam R$ 436 milhões.

Em alguns casos, o percentual de nacionalização dos equipamentos é um dos critérios usados para vencer as licitações de campos de petróleo, por isso as empresas se propõem a cumprir metas elevadas. Carvalho afirma que esse incentivo é benéfico para o país. Ele cita o caso do estaleiro Atlântico Sul, construído junto do Porto de Suape, em Pernambuco. “Antes disso, o estado não tinha indústria naval significativa. É muito positivo que trabalhadores que antes estavam no subemprego ou eram cortadores de cana sejam hoje operários qualificados”, argumenta. Ele defende, ainda, as exigências de aplicação de recursos por parte das empresas em ciência e tecnologia. “Graças a isso, há hoje um parque de laboratórios excelentes nas universidades brasileiras dedicados à pesquisa em petróleo. Em alguns anos, o Brasil terá uma comunidade de doutores nessa área das mais significativas do mundo, poucos países terão igual”, diz.

O presidente do Conselho de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas, considera necessária a regra de conteúdo mínimo para compensar a falta de competitividade das empresas brasileiras em relação às concorrentes globais. “O custo Brasil é muito elevado devido à carga tributária e a problemas de infraestrutura”, explica. Ele considera razoável que se discuta se o percentuais de exigência são adequados ou não, desde que haja um mínimo. “Todos os países fazem exigências desse tipo”, afirma.

Para acelerar a formação de polos industriais nacionais, o governo escolheu cinco estados (Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro) onde serão identificadas e apoiadas empresas-âncoras, a partir das quais outras serão associadas. O plano de desenvolvimento de arranjos produtivos locais (APL) integra o Plano Brasil Maior, lançado em 2010 e voltado à competitividade da indústria, que tem como carro-chefe o Inova Petro, uma linha com R$ 3,1 bilhões para financiar projetos de inovação até 2016. O coordenador executivo do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp) da Petrobras, Paulo Alonso, lançou na semana passada o desafio para os maiores fornecedores da Petrobras apresentarem relatórios de ofertas e planos de investimento num prazo de 18 meses. “Precisamos de objetividade”, cobra o engenheiro, que também é assessor da presidente Maria das Graças Foster para a política de conteúdo local da companhia.

Segundo ele, a demanda a ser atendida pelos cinco complexos industriais eleitos pela estatal terá como prioridade as áreas de mecânica, automação industrial, eletricidade e calderaria. Mas ele ressalta que, para viabilizar a implantação desses polos de fornecedores nos cinco estados, o governo espera também o estabelecimento de empresas de serviços gerais, hotelaria, cozinha e limpeza industrial. Multinacionais do setor de petróleo investem pesadamente, desde a década passada, para desenvolver inovações voltadas à exploração do pré-sal brasileiro. A Shell, por exemplo, conseguiu até prêmios internacionais de inovação com os resultados da combinação de diferentes novas tecnologias aplicadas nas águas profundas de Parque das Conchas, na Bacia de Campos (RJ). O projeto no bloco BC-10, em parceria com a estatal e ONGC, extrai centenas de milhões de barris de óleo de um local até há pouco tempo considerado de acesso impossível.

Albert Paardekam, gerente de Desenvolvimento do BC-10, informa que o projeto conseguiu vencer o desafio de extrair de forma rentável um óleo pesado, extraído em pontos muito distantes sob elevada pressão. A Shell tem metade de participação no projeto, cuja estimativa de reservas é de 300 milhões de barris, e a capacidade de produção é de cerca de 100 mil barris de óleo por dia. “Trata-se da maior profundidade operacional desse sistema em todo mundo”, diz.

Navios

O estaleiro Atlântico Sul pertence aos grupos Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. Tem como parceiro tecnológico a coreana Samsung Heavy Industries. Foi instalado em Ipojuca (PE) com o objetivo de produzir navios para o transporte de petróleo e parte de estruturas de plataformas. Em 2009, ficou pronto o primeiro desses navios. O dique seco, principal estrutura do estaleiro, tem 400 metros de extensão, 73 de largura e 12 de profundidade, permitindo a produção de embarcações de até 500 mil toneladas.

Cadeia produtiva

Hoje, aproximadamente 70 empresas brasileiras e estrangeiras trabalham no setor de petróleo no Brasil. A Petrobras, maior delas, está presente no exterior em 22 países. “A indústria se desenvolveu rapidamente no Brasil nas últimas quatro décadas”, diz o engenheiro Joel Rennó, que foi presidente da Petrobras entre 1992 (governo Itamar Franco) e 1999 (governo Fernando Henrique Cardoso). Ele ressalta que o país “passou de 120 mil barris de petróleo por dia para 2 milhões”. O potencial do Brasil continua elevaado.”