Título: Morto, mas onipresente
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 10/03/2013, Mundo, p. 18
Decisão de embalsamar o corpo é aclamada por partidários do chavismo. Opositor diz que homenagem é a única esperança para o regime
Seus discursos duravam até nove horas ininterruptas, transmitidos por todas as cadeias de tevê estatais. As fotografias ainda estampam imensos outdoors, montados sobre edifícios, às margens das avenidas ou no topo das favelas verticais. Sua imagem também aparece pichada em vários muros. O controverso presidente, que forjou uma revolução baseada na figura de Simón Bolívar, sai de cena com um último ato que pode ser uma estratégia para perpetuar sua ideologia e debilitar uma já combalida oposição. “Vamos preparar o corpo do comandante e embalsamá-lo, para que o povo o tenha no Museu da Revolução”, declarou o então vice-presidente Nicolás Maduro, ao anunciar que os restos mortais de Hugo Chávez seriam eternizados. “Assim como está Ho Chi Minh, como está Lênin, como está Mao Tsé-tung, ficará o corpo de nosso comandante-em-chefe embalsamado no Museu da Revolução de maneira especial para que possa estar em uma urna de cristal e nosso povo possa tê-lo para sempre”, acrescentou.
Enquanto aguardam para entrar na capela ardente da Academia Militar de Caracas e se despedir de seu comandante, chavistas compram fotos e outros objetos que remetam a ele. Um comércio que supera o de imagens do libertador Simón Bolívar. Muitos venezuelanos não escondem a alegria de poder vê-lo quando quiserem e repudiam críticas sobre um possível culto personalista em torno de Chávez, um movimento comum nas grandes ditaduras. “Foi uma decisão tomada pelos familiares, para que o povo venezuelano continue a vê-lo. É um presidente a mais que será embalsamado. Eu não vejo porque compará-lo a um tirano”, afirma Diva Campos, 28 anos, moradora de Caracas. Questionada sobre a forma polêmica de Chávez governar, ela reconheceu que o líder falecido perseguia veículos de comunicação. “Havia muita imprensa maldita. Em outros países, as mesmas decisões de Chávez já foram tomadas. Era uma censura aberta. O presidente foi criticado por isso, mas estou de acordo.”
Para o motorista Rosalio Castillo, 55 anos, a decisão de expor o corpo do presidente eternamente é saudada por todos os venezuelanos. “Estamos muito contentes com o fato de exibirem o nosso líder”, comentou. Ele negou que Chávez tenha implantado uma ditadura disfarçada no país e afirmou que, durante os 14 anos de governo do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), a nação esteve revestida de competência política. “Vários políticos se candidataram nesse tempo”, ressaltou. A ausência de Chávez em vida não preocupa tanto Rosalio. “Temos muita fé em relação ao futuro, pois nosso país já está se desenvolvendo bastante.”
“Coisa de Deus” No Paseo de Los Próceres, a poucos quilômetros do caixão, Arwin Trocones exibe, com orgulho, uma pintura com as imagens de Chávez e de Bolívar. “Oh, que lindo!”, gritam algumas mulheres, que apontam as câmeras para o quadro, obra de um amigo dele. “É excelente que possamos ver Chávez quando quisermos. Nosso presidente já entrou para a história. Poderemos contar essa história para nossos filhos, que nos perguntarão onde ele está. E os levaremos ao Museu da Revolução, a fim de que o vejam todos os dias”, comenta Arwin.
“A decisão de embalsamar Chávez não foi de Maduro, mas de Cristo Redentor”, opina Humberto Chacón, um venezuelano que diz ter orgulho de ser revolucionário e que enfrentou 27 horas de fila para ver o presidente falecido. “Eles o colocarão numa urna de cristal para que meu neto ou o neto de meu irmão latino-americano possa vê-lo pelo resto de sua vida. Foi a melhor decisão tomada por Maduro e pela família de Chávez. Mas também uma mensagem de Cristo Redentor”, acrescenta. “Ele nos deu tudo e, agora, vive. Chávez somos todos nós”, finaliza Chacón. O advogado Jonathan Barrios, 34 anos, rebate as críticas em torno de um culto personalista a Chávez. “Na verdade, o que sentimos é amor de Deus, é amor que ele tinha por nós e ainda tem. Graças a Deus, Chávez está com Simón Bolívar e com outros revolucionários.”
Na noite de sexta-feira, a costureira Dineira Pérez, 45 anos, também esperava pela chance de ver o corpo. Vestiu-se a caráter para a ocasião: boné vermelho, bandana com a frase “Eu sou Chávez”, a foto do presidente tatuada no rosto e uma camiseta com os dizeres “Pa’lante, comandante” (“Para frente, comandante”). “Queremos ter Chávez sempre. Ele é demasiadamente grande para todos nós. Queremos mantê-lo vivo, para que sigamos recordando dele.”
Duas perguntas para
Diego Arría, ex-governador de Caracas, ex-presidente do Conselho de Segurança da ONU e opositor de Hugo Chávez
Existe um culto personalista a Chávez, mesmo depois de morto? Ter a Chávez, ainda que dentro de um caixão de cristal e embalsamado, é algo fundamental para o regime. Algo assim só tinha ocorrido com personagens como Stálin, Mao Tsé-tung e Ho Chi Minh. Eles poderão repetir, até se cansarem, o lema “Sou Chávez, somos Chávez”. Mas nenhum deles o é. O recurso do embalsamamento é a única esperança para o governo de Maduro.
Então, trata-se de uma manobra de Maduro para garantir a continuação do chavismo? Creio que essa iniciativa não partiu de Maduro. São os cubanos que vêm controlando o regime e que, com Maduro, aprofundam ainda mais a dependência de Caracas em relação a Cuba. Essa ação reflete a debilidade real do regime de Maduro. A oposição deve exigir, como condição irrenunciável, a separação de Maduro do cargo para participar das eleições.