O Estado de São Paulo, n.46297, 20/07/2020. Economia, p.B6

 

A reforma tributária e o seu bolso

Thiago Lasco

20/07/2020

 

 

Entenda como as mudanças propostas por Paulo Guedes podem mexer com a sua carteira de investimentos

Discussão inicial. Equipe do ministro Paulo Guedes prevê enviar ainda esta semana ao Congresso sua proposta de reforma

Não é de hoje que o Brasil aguarda uma reforma tributária. A questão fiscal é um dos gargalos para o desenvolvimento da economia. Mas a questão adquiriu contornos ainda mais sérios quando o coronavírus entrou em cena. Se o governo já gastava mais do que arrecadava, as medidas para o combate da pandemia vão elevar ainda mais essas despesas. Para a conta fechar, a saída é encontrar novas formas de arrecadação.

É por isso que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem tentando propor um novo tributo nos moldes da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A ideia mais recente, divulgada na semana passada, é a criação de um imposto de 0,2% sobre todos os pagamentos por meio eletrônico. Não será uma briga fácil.

Espírito da reforma. Quando Guedes assumiu a pasta, abraçou um dos dois grandes projetos de lei da reforma tributária que já haviam sido propostos. De maneira simplificada: reduzir a tributação sobre consumo, serviço e produção e aumentar a tributação sobre a renda.

Assim, tudo o que se compra e consome tende a ficar mais barato, enquanto os salários passam a ser mais tributados. Como mercadorias e serviços são consumidos por todas as classes sociais, em tese os mais pobres são favorecidos pela desoneração, enquanto o aumento dos impostos, sendo proporcional à renda, pesa mais sobre os mais ricos.

"Para obter esses resultados, o governo precisa, de um lado, reduzir PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS, unificando-os em um só tributo, o IBS (Imposto de Bens e Serviços). E, de outro, elevar a alíquota do imposto de renda de 27,5% para 35%, com diferentes faixas", explica o advogado tributarista Alamy Candido, sócio da banca Candido Martins.

Assim, a "cesta da reforma de Guedes" é composta pela unificação tributária em torno do novo IBS, pelo aumento da alíquota de IR e pela criação de impostos sobre dividendos e sobre pagamentos por meio eletrônico. Mas há outras ideias mais antigas correndo por fora, e que podem voltar à pauta.

Tributação sobre operações financeiras. As informações que surgiram são de que Guedes avalia criar um imposto sobre transações financeiras, que incluiria a taxação de operações feitas na Bolsa de Valores e com Certificados de Depósitos Interbancários (CDI), referência para a renda fixa. Para a consultoria Arko Advice, a tributação de aplicações financeiras viria somente na segunda fase da reforma, com alíquota entre 0,2% e 0,4%.

Essa é uma mordida que penaliza o investidor, que viu seus ganhos minguados após sucessivos cortes na taxa básica de juros. "Será mais um tributo a se descontar. Se considerarmos que a taxa de juros já está muito baixa, o rendimento real ficará até negativo. Não sei até que ponto será válido comprar um CDB fazendo essa conta", diz Daniela Casabona, sócia da FB Wealth.

Tributação sobre dividendos. Pela proposta que deve ser apresentada, as empresas seriam obrigadas a reter 15% de imposto sobre valores pagos a pessoas físicas ou jurídicas a título de lucros e dividendos. "Guedes alega que a medida é justa, já que empregados assalariados sofrem descontos e quem recebe dividendos não é tributado", diz Adriana Lacerda, sócia da área tributária do escritório Gameiro Advogados. "Ele sugere que parte da arrecadação com esse novo tributo seja destinado ao 13.º salário do programa Bolsa Família."

Quem recebe vai tomar uma mordida no bolso – seja a distribuição de lucros das empresas, seja o investidor que compra ações de empresas que pagam dividendos, como forma de ter uma renda mensal.

"Hoje, (o investidor não ser tributado) é um chamariz para que ele invista. Com a tributação, não sei até que ponto isso ainda seria interessante. ", diz Daniela Casabona.

Alamy Candido ressalta que a tributação de dividendos é comum em outros países e, até 1996, também ocorria no Brasil. Foi retirada de cena como forma de estimular a economia real, com mais pessoas investindo em empresas. Ele rebate uma crítica muito frequente, de que ela seria uma forma de bitributação. "O sujeito passivo da tributação do lucro da empresa é a própria empresa. Quando você fala em tributar o dividendo, quem é tributado é o sócio, pessoa física. São pessoas diferentes nessa cadeia, a regra matriz é diferente", diz.

Os impostos deveriam diminuir . Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos, considera que a tributação sobre dividendos encontraria pouca oposição e seria fácil de implementar. E acrescenta que as taxas sobre o comércio eletrônico também vêm sendo avaliadas por outros países. Já o imposto sobre transações financeiras é um tema mais difícil, pois acaba onerando a todos, segundo ele.

35%

SERIA A MAIOR ALÍQUOTA PARA O IMPOSTO DE RENDA

CINCO PONTOS DA REFORMA TRIBUTÁRIA

• Simplificação de tributos

Redução da tributação sobre consumo, serviço e produção com a união de PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS sob o IBS (Imposto de Bens e Serviços). E aumento da tributação sobre a renda, de 27,5% para 35%, com diferentes faixas

• Pagamentos por meio eletrônico

Taxa sobre os pagamentos feitos por meio eletrônico, principalmente o e-commerce. Alíquota será de 0,2% sobre o valor do produto ou serviço adquirido

• Operações financeiras

Na segunda fase da reforma, criação de um imposto sobre transações financeiras, que incluiria a taxação de operações feitas na Bolsa de Valores e com Certificados de Depósitos Interbancários (CDI), referência para a renda fixa. A alíquota ficaria entre 0,2% e 0,4%

• Dividendos

Empresas passariam a reter 15% de imposto sobre valores pagos a pessoas físicas ou jurídicas, a título de lucros e dividendos. Hoje, elas já são responsáveis pela retenção de IRPF dos funcionários

• Fundos fechados

Passariam a ser tributados de forma semestral, como ocorre com os fundos abertos. Hoje, há incidência de imposto apenas no resgate de cotas, o que pode deixar a tributação represada por muitos anos. Controvérsia: taxar os rendimentos passados, o que é objeto deve abrir um debate jurídico

FONTES: ALAMY CANDIDO E ADRIANA LACERDA, ADVOGADOS TRIBUTARISTAS