O Estado de São Paulo, n.46299, 22/07/2020. Política, p.A16

 

Para analistas, PL das Fake News deve combater 'abusos'

Daniel Bramatti

22/07/2020

 

 

Especialistas dizem que, se texto focar na proibição de páginas falsas e robôs nas redes sociais, pode evitar ataque à liberdade de expressão

Reunião virtual. Sessão do Senado durante discussão sobre Projeto de Lei das Fake News

Como combater campanhas de desinformação sem restringir a liberdade de expressão? No debate sobre o chamado Projeto de Lei das Fake News, uma corrente que luta por espaço é a que defende que a regulação foque em comportamentos abusivos, e não no conteúdo compartilhado – o que, em tese, afastaria o risco de o Estado passar a controlar o fluxo de informações nas redes.

Comportamentos abusivos ou inautênticos são os que "simulam e distorcem o debate político, deturpam o acesso à informação política, e vulnerabilizam a autonomia individual e o acesso à informação", na definição do Internetlab, centro de pesquisa em Direito e Tecnologia. A organização é uma das principais defensoras de uma forma de combate à desinformação que seja "agnóstica" em relação ao conteúdo.

O projeto das fake news foi aprovado às pressas pelo Senado no fim de junho, em meio à pandemia de covid-19, e mal começou a ser discutido pela Câmara, onde deve ser alterado.

Durante a tramitação no Senado, o projeto deixou de lado alguns pontos polêmicos, como a tentativa de definir "fake news" ou desinformação – algo que não é consensual nem mesmo entre especialistas, e procurou definir alguns comportamentos abusivos, como o uso de ferramentas para disparos de mensagens em massa e de "robôs" (contas automatizadas) sem a devida identificação. Mas o texto aprovado manteve menções a termos como "conteúdos ilícitos", por exemplo.

Entidades que defendem a liberdade de expressão alertaram para o risco de o Brasil seguir os passos de países com governos autoritários, que têm aprovado leis contra fake news como pretexto para criminalizar discursos "incômodos" e restringir os espaços de debate público na internet.

"A experiência internacional tem mostrado que, nos países onde o enfrentamento às chamadas fake news foi regulado a partir dessa equação – definição do conceito de desinformação –, os casos de censura privada por parte das plataformas e também de autocensura por parte de jornalistas, ativistas e cidadãos em geral se multiplicaram", afirmou, em nota, a Coalizão Direitos na Rede, que reúne organizações da sociedade civil, ativistas e pesquisadores. Para a coalizão, o Senado acertou "em focar o combate à desinformação em comportamentos e características de contas e perfis, e não no conteúdo que propagam".

'Controle'. Em um texto com "diagnósticos e recomendações" para a Câmara, o Internetlab destacou que "a aposta no controle de conteúdo potencialmente 'desinformativo' e na responsabilização civil e penal daqueles que o produzem ou compartilham (...) possui alto risco de esbarrar no controle e restrição de expressões legítimas e protegidas constitucionalmente".

Para a entidade, estabelecer o que seriam conteúdos verídicos e fidedignos na internet e nas redes sociais exigiria dar a um árbitro o poder de decidir sobre isso. "Essa abordagem pode trazer sérios riscos à liberdade de expressão, sobretudo pela dificuldade de traçar uma linha clara entre verdade e mentira, e entre legítimo e ilegítimo, categorias que se tornam permeáveis a considerações de ordem político-ideológica."

As próprias plataformas e redes sociais já combatem o que consideram comportamentos abusivos – cada uma com seus próprios critérios. Recentemente, o Facebook removeu uma rede de páginas e perfis de pessoas ligadas a familiares e aliados do presidente Jair Bolsonaro. Essa rede foi acusada de difundir informações falsas, mas o motivo da remoção não foi o conteúdo, mas o “comportamento inautêntico coordenado” (uso de contas falsas).

O advogado e pesquisador Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab, disse ao Estadão que uma vantagem de definir comportamento abusivo em lei seria “padronizar o que é problemático, já que as plataformas são diferentes”. Para ele, isso também obrigaria as plataformas a serem mais transparentes em relação ao que fazem para combater desinformação. “Em suma, colocar em lei daria outra dimensão para esse tipo de monitoramento, colando-o com o interesse público.”

Foco

"( O Senado acertou) em focar o combate à desinformação em comportamentos de contas e perfis, e não no conteúdo que propagam."

Coalizão Direitos na Rede

EM NOTA