Título: Mercado já vê juro de 9% no fim do ano
Autor: Martins, Victor; Dinardo, Ana Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2013, Economia, p. 10

Ameaçado pela inflação renitente, o Banco Central pode ser obrigado a subir a taxa básica (Selic) e contrariar o desejo da presidente Dilma Rousseff de terminar o mandato com os menores encargos da história. Diante de uma carestia que corrói rapidamente o poder aquisitivo do brasileiro, a autoridade monetária está cada vez mais pressionada a elevar os juros para segurar a alta do custo de vida, que alcançou 0,6% em fevereiro, acima do esperado pelos analistas, e 6,31% no acumulado de 12 meses, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para parte do mercado financeiro, não há mais o que esperar. Com a piora do cenário, investidores já projetavam ontem, nos negócios do mercado futuro de juros, uma Selic de 9% ao ano ao fim de 2013. Hoje, a taxa está em 7,25%.

Embora o dado do mês passado tenha ficado abaixo do 0,86% de janeiro, a expectativa entre os analistas é que, em março, a variação anual do IPCA estoure o limite de tolerância definido pelo governo, de 6,5%. Pelos cálculos de José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, basta a carestia deste mês chegar a 0,39% para a inflação de 12 meses bater em 6,54%. A expectativa do mercado é de que o IPCA fique em 0,45%, o que deixará o BC em uma situação complicada. “A chance de o BC subir juros em abril está crescendo bastante”, ponderou Gonçalves.

Não fosse o desconto na tarifa de energia, que passou a valer no fim de janeiro, a missão do BC de manter a inflação sob controle estaria praticamente perdida. A intervenção do governo no setor energético garantiu uma redução de 18,49% nas contas de luz no ano e deu alguma margem de manobra para a autoridade monetária. Em fevereiro, quando o impacto do corte foi sentido plenamente, as tarifas ficaram 15,17% mais baratas. Sem isso, a inflação do mês teria chegado a 1,08% e o teto anual já teria sido ultrapassado.

Para tentar dar mais fôlego ao Banco Central, e evitar a alta dos juros, Dilma anunciou ontem a desoneração dos produtos da cesta básica, um incentivo que terá um impacto de R$ 3,6 bilhões nos cofres públicos e deve contribuir com uma redução de 0,4 ponto percentual no IPCA. Para Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, o índice vai desacelerar.

“A inflação veio acima do esperado, mas registrou queda em relação a janeiro. A expectativa é que ela caia gradualmente ao longo do ano, principalmente quando o impacto da queda de preço das commodities começar a ser transmitido para os demais preços. Elas caíram fortemente neste mês”, argumentou. Para Barbosa, o IPCA ainda deve captar os efeitos indiretos da desoneração da energia. Na avaliação dele, o custo das empresas vai diminuir e isso será repassado para os preços. “A inflação está sob controle e vai caminhar para o centro da meta em um prazo adequado”, garantiu.

Vida real Enquanto o Banco Central e o governo tentam medidas alternativas aos juros para combater a inflação, as famílias sofrem para controlar o orçamento. “Todo mês, quando vou fazer compras, tenho que acrescentar no mínimo R$ 200, pois o tíquete-alimentação de R$ 600 não dá para cobrir tudo”, desabafou a aposentada Zilda Reis, 57 anos. Para ela, gasolina, verduras, arroz, feijão e tomate são os itens que mais têm pesado no bolso. “Realmente está muito complicado, e olha que aproveito ao máximo as promoções.”

Para o funcionário público Cristiano Oliveira, 45 anos, o que tem absorvido a maior parte do seu orçamento também é a alimentação. Ele gasta R$ 600 por mês, valor que considera insuficiente para suprir as necessidades da família, composta por mais duas pessoas. “Há uns dois anos, conseguia ir ao mercado e colocar toda a lista do carrinho. Agora, não posso nem pensar nisso. Gastaria o dobro”, disse.

A queixa dos consumidores pode ser explicada pelo IPCA. O grupo alimentação e bebidas, apesar de ter desacelerado entre janeiro e fevereiro, ainda continuou a pressionar o orçamento do brasileiro, apresentando alta de 1,45%. Itens importantes na mesa das famílias dispararam no mês, a exemplo de cenoura, que encareceu 21,41%, tomate, cuja alta foi de 20,17%, repolho (18,88%), feijão fradinho (9,61) e batata (7,90).

"Há uns dois anos, conseguia ir ao mercado e colocar toda a lista no carrinho. Agora, não posso nem pensar nisso. Gastaria o dobro”

Cristiano Oliveira, funcionário público