O Estado de São Paulo, n.46300, 23/07/2020. Economia, p.B7

 

IBGE apura que 4 em 10 cidades não têm esgoto

Daniela Amorim

23/07/2020

 

 

Pesquisa é de 2017 e quadro não deve ter se alterado; novo marco atrai investimento

Em meio às discussões políticas que ainda cercam o novo Marco Legal do Saneamento Básico, dados recentes escancaram o tamanho do desafio a ser enfrentado pelo País nas próximas décadas para reduzir o abismo que impede a grande parte da população o acesso às condições mínimas de higiene em suas casas.

Quatro em cada dez municípios brasileiros ainda não tinham rede de coleta de esgoto no ano de 2017. Apenas metade dos lares do País tinha acesso ao serviço, ou seja, 34,1 milhões de domicílios não eram atendidos por rede coletora de esgoto sanitário. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2017, com informações de todas as prestadoras de serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto, levantadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A situação agora em 2020 deve estar ainda pior, porque desde que a pesquisa foi a campo não foram empregados recursos em volume necessário para ao menos manter adequadamente a estrutura já existente, alertou a pesquisadora Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (CERI/FGV).

"Os investimentos foram suficientes só para continuar com a rede existente ou até degradou a rede existente", observou Joisa. "De um lado faltam recursos, de outro os recursos não estão chegando como precisariam", completou a pesquisadora.

O Congresso aprovou há cerca de um mês, no último dia 24, o novo Marco Legal do Saneamento Básico no País, com uma série de novas regras para o setor. As mudanças facilitam a entrada da iniciativa privada em concessões e privatização de estatais de saneamento, entre outras medidas. A proposta seguiu para sanção do presidente Jair Bolsonaro, que vetou o dispositivo que previa a manutenção dos atuais contratos do setor por 30 anos. A decisão presidencial desagradou a parlamentares, governadores e prefeitos, e o veto ainda pode ser pautado e eventualmente derrubado em nova votação no congresso.

O levantamento do IBGE aponta que as principais executoras dos serviços de saneamento básico no País no ano de 2017 eram as prefeituras, companhias estaduais, autarquias municipais e associações. As empresas privadas atuavam no esgotamento sanitário em apenas 3,1% dos municípios e no abastecimento de água em somente 3,6% dos municípios.

Sem tratamento. O levantamento mostra ainda que somente 67,0% do volume de esgoto gerado pela população são coletados por rede. No Norte, esse porcentual era de apenas 19,0%, mas subia a 83,6% no Sudeste. Quase um quarto do esgoto coletado não recebia qualquer tipo de tratamento.

"A maior parte do esgoto coletado que não recebe tratamento é descartado diretamente nos cursos d'água", explicou Fernanda Malta, gerente de pesquisas de saneamento IBGE. "Há ainda casos em que as legislações locais estabelecem que os domicílios devem tratar seu esgoto em fossas sépticas individuais e descartá-lo na rede já com tratamento. Nesses casos, não ocorre disposição final de esgoto sem tratamento nos cursos d'água", esclareceu.

Já o serviço de abastecimento de água encanada estava presente em quase todos os municípios brasileiros, mas a distribuição entre os moradores passava longe de ser universalizada. O País ainda tinha 9,6 milhões de lares sem acesso à rede de água canalizada no ano de 2017. As regiões Norte e Nordeste concentravam quase oito em cada 10 desses domicílios sem abastecimento por rede: 7,5 milhões de residências. O Sudeste tinha 912 mil domicílios sem acesso a água encanada via rede.