Valor econômico, v. 21, n. 5119, 03/11/2020. Internacional, p. A10

 

Resultado nos EUA deve atrasar e ser contestado na Justiça

Marsílea Gombata

Lucas de Vitta

03/11/2020

 

 

Normalmente há uma definição de quem ganhou a eleição na noite após a votação, à medida que os votos vão sendo apurados. Mas, desta vez, há uma chance grande de levar vários dias para a apuração terminar, devido ao elevado número de votos enviados pelo correio

O democrata Joe Biden é o favorito para vencer as eleições presidenciais de hoje nos EUA, mas o presidente Donald Trump ameaça contestar a votação na Justiça. Isso pode levar a uma disputa longa e sem precedentes na história da democracia americana, o que traz riscos para a economia e os mercados, num momento em que tanto os EUA como a Europa são assolados pela epidemia de covid-19.

As mais recentes pesquisas de intenção de voto nacionais indicam que Biden deve vencer no voto popular: ele tem 50,6%, ante 43,9% de Trump, segundo a média das pesquisas do site RealClearPolitics. Nessa média não há margem de erro, mas a diferença entre eles está acima ou no limite da margem de erro da maioria das pesquisas.

Nos EUA, porém, a eleição presidencial não é decidida no voto popular, mas no Colégio Eleitoral. Em geral, o candidato que vence a votação num Estado, por qualquer diferença, leva todos os votos desse Estado no Colégio. Em 2016, Hillary Clinton venceu no voto popular, mas perdeu no Colégio Eleitoral.

Desta vez, Biden parece ter mais chance de derrotar Trump no Colégio Eleitoral (veja gráfico), mas o cenário ainda é incerto. Trump precisa ganhar em quase todos os Estados indefinidos, onde há empate técnico, e ganhar ainda a Pensilvânia, onde algumas pesquisas dão vantagem para Trump e outras apontam empate técnico.

Normalmente há uma definição de quem ganhou a eleição na noite após a votação, à medida que os votos vão sendo apurados. Mas, desta vez, há uma chance grande de levar vários dias para a apuração terminar, devido ao elevado número de votos enviados pelo correio. E Trump já ameaçou contestar esses votos em vários Estados, o que pode levar à judicialização da disputa, cuja decisão pode levar muitas semanas para sair.

A pandemia fez com que muitos Estados facilitassem a votação antecipada, presencial e pelo correio. Estima-se que mais de 96 milhões já tenham votado, o equivalente a quase 70% do total de votos de 2016, segundo o U.S. Elections Project, da Universidade da Flórida.

As cédulas enviadas por correio levam mais tempo para serem processadas. Na Flórida, por exemplo, a apuração pode começar 22 dias antes da eleição, enquanto a Carolina do Norte começa cinco semanas antes. Em Estados onde a disputa é acirrada, como Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, a contagem tem início somente hoje.

Analistas dizem que pode levar de uma semana a dez dias para se ter uma ideia clara de quem será o presidente pelos próximos quatro anos. “Há mais de 50% de chance de não haver resultado na noite de hoje ou amanhã e o mais provável é que leve de sete a dez dias para a eleição ser definida”, afirma David Livingston, da consultoria Eurasia.

Além do alto nível de voto antecipado pelo correio, Livingston acrescenta que muitos Estados consideram válidas cédulas que foram enviadas até o dia da eleição, mas chegam alguns dias depois. É o caso da Carolina do Norte, que receberá votos postais até o dia 12. “Por essas razões, há 80% de chance de só sabermos quem ganhou a eleição no dia 13 de novembro, e que o resultado oficial demore uma semana a mais”, diz.

Os Estados com maior chance de atraso na apuração são aqueles onde a disputa é incerta (em amarelo no mapa) ou a liderança de Biden está pouco acima da margem de erro (em branco). Pode haver ainda imbróglio em Estados como Minnesota, Nevada, Texas e Pensilvânia, onde há processos judiciais envolvendo aspectos das regras eleitorais e acusações de fraude.

Há uma chance pequena de haver resultado até amanhã se Estados indefinidos com peso importante no Colégio Eleitoral (como Flórida ou Pensilvânia) mostrarem sólida liderança de Biden nos votos presenciais do dia da votação.

“Se houver uma vitória esmagadora de Biden na Flórida ou na Pensilvânia na apuração dos votos do dia da eleição, então o fator 'cédulas enviadas pelo correio' poderá ser relativo”, afirma Tim Malloy, analista do instituto de pesquisa da Universidade Quinnipiac, em Connecticut. “Se Biden vencer nesses Estados antes dos votos por correio serem contabilizados, sua vitória será apenas confirmada na contagem dos votos antecipados.”

Spencer Kimball, diretor do instituto de pesquisa do Emerson College, acha que levará até dez dias para o resultado da apuração sair. “Se for assim, não será a primeira vez que isso acontece. Em 2000 tivemos de esperar 37 dias para saber se Al Gore ou George W. Bush havia vencido na Flórida. Desta vez, a expectativa em relação a um cenário desse tipo é maior.”

A disputa pode ser intensa também no Texas, onde o número de votos antecipados bateu recorde e pode haver 3 milhões de votos a mais neste ano, estima Kimball.

Estimativas indicam que 9,71 milhões já votaram no Estado, superando os 8,96 milhões de votos totais de 2016. Michael Traugott, especialista em comportamento eleitoral da Universidade de Michigan, diz que o voto antecipado tende a favorecer Biden, enquanto o do dia da votação, Trump.

Segundo a mídia americana, diante desse cenário Trump planeja declarar vitória antes do final da apuração, assim que ele aparecer à frente no voto presencial nos Estados indefinidos. Em seguida, sua campanha tentaria impugnar os votos antecipados, especialmente aqueles enviados pelo Correio, contando com a maioria republicana na Suprema Corte dos EUA..

“Uma demora em sair o resultado eleitoral, que se arrasta por semanas, certamente exacerbará o partidarismo e a polarização”, diz Livingston.

Trump já deixou claro que deseja que a Suprema Corte interrompa a contagem de votos após o dia da eleição. Nesse último fim de semana de campanha, o presidente usou comícios para aumentar a desconfiança em relação ao sistema eleitoral americano e insistiu que haveria “confusão” se o vencedor não for declarado nesta noite. Autoridades veem risco de protestos e violentos distúrbios em diferentes cidades americanas.

Se a batalha for levada para a Justiça, a legitimidade do processo eleitoral americano pode ser colocada em xeque. “O mais preocupante em relação à possibilidade de não haver resultado hoje é a reação de Trump. O risco de a Justiça ser acionada e intervir pode levar muitos a deixarem de ver a eleição como legítima. Isso poderia ser um problema para o sistema eleitoral e desencadear uma crise como há muito não se vê nos EUA”, diz Eric Schickler, cientista político da Universidade da Califórnia (Berkeley).

Quanto mais a indefinição sobre o próximo presidente se prolongar, a tendência é haver mais tensão nos mercados. “Sempre que há uma incerteza, há estresse nos mercados. Se a eleição for muito apertada, com resultado difícil de sair, pode haver um impacto significativo na economia”, diz Kimball. “Tudo vai depender do quanto essa incerteza irá durar.

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Reta final da campanha

03/11/2020

 

 

Líderes democratas rejeitaram ontem as declarações do presidente Donald Trump, que prometeu entrar na Justiça para contestar a apuração dos votos que chegarem depois da data da eleição - apesar de alguns Estados estarem prevendo essa possibilidade por causa do grande volume de votos por correio neste ano. Na noite de domingo, Trump disse que era “uma coisa terrível” que as cédulas pudessem ser contadas depois do dia da eleição na Pensilvânia. “Assim que a eleição acabar, iremos com nossos advogados”, afirmou Trump, que participou de um comício nesse Estado ontem. Em outra polêmica, o presidente ameaçou demitir Anthony Fauci, principal infectologista dos EUA, por ter dito que uma vacina contra a covid-19 só deverá estar disponível no fim de dezembro ou início de janeiro. Em Cleveland, Ohio, o rival democrata Joe Biden zombou do presidente: “Me elejam e eu vou contratar o doutor Fauci e vamos demitir Donald Trump".