Valor econômico, v. 21, n. 5119, 03/11/2020. Curtas, p. A13

 

Bolsonaro torce por Trump, mas busca diálogo com Biden

Fernando Exman

Cristiano Zaia

03/11/2020

 

 

Para o governo brasileiro, não haverá grandes mudanças de rumos, independentemente de quem vença

O governo Jair Bolsonaro acompanhará a apuração das eleições americanas interessado não apenas em se preparar para eventuais mudanças nos rumos político e econômico dos Estados Unidos, potência global e parceiro estratégico do Brasil, mas também para aferir o possível impacto que o resultado do pleito pode ter na principal aposta da política externa brasileira.

Desde que tomou posse, Bolsonaro alinhou o Brasil aos EUA e, rompendo a tradição de evitar intromissões em assuntos internos de outros países, o presidente e sua família aderiram explicitamente à campanha do presidente Donald Trump à reeleição.

No entanto, diante de uma possível derrota do republicano, as autoridades brasileiras já tentarem reduzir potenciais danos. Nos últimos dias, ministros e integrantes do alto escalão do governo foram informados que o Itamaraty estava estabelecendo canais de diálogo com interlocutores do candidato democrata, Joe Biden.

Autoridades do governo não escondem que gostariam de ver Trump reeleito. No caso de uma vitória de Biden, no entanto, o entendimento do governo brasileiro é de que não haverá grandes mudanças de rumos.

Mesmo que os dois países concorram em vários segmentos, como na agricultura, o governo brasileiro conta com os fortes laços empresariais para manter as relações bilaterais num patamar elevado. Além de um parceiro comercial importante, os Estados Unidos têm ampliado os investimentos diretos no Brasil nos últimos meses.

Do ponto de vista econômico e até ideológico, a eleição do democrata não representaria uma ruptura drástica para as relações diplomáticas com o Brasil como houve na Argentina, em que assumiu um governo de esquerda, analisa uma fonte.

Uma fonte do governo brasileiro da área internacional diz que, mesmo com uma vitória de Biden, permanece o plano de alinhamento automático da administração Bolsonaro com a Casa Branca. A postura crítica em relação à China dificilmente mudará, por exemplo, acrescentou essa fonte.

Além disso, em caso de vitória de Biden, não se considera no horizonte de curto prazo a substituição do chanceler Ernesto Araújo. Uma troca seria uma espécie de reconhecimento do erro estratégico.

Restaria ao Brasil aguardar as primeiras sinalizações do democrata em direção ao país, para se saber se o acesso ao governo americano ficará mais restrito. Uma dúvida é se o Brasil teria menos apoio dos EUA em seus esforços para entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Por outro lado, há uma certeza de que mudaria a abordagem americana em relação à política ambiental do governo Bolsonaro. Biden já criticou publicamente o desmatamento na Amazônia, o que levou o presidente a rebatê-lo num tom também pouco usual.

A ala militar também tem suas preocupações. Segundo uma fonte, embora o relacionamento entre as Forças Armadas dos dois países seja histórico, intercâmbios e reuniões de alto nível se intensificaram desde 2019. Se Trump perder a disputa, não se acredita no risco de um congelamento dessas iniciativas. O receio é que uma mudança de governo acabe adiando compromissos já marcados e eventuais realinhamentos dessa agenda.