Título: Posse sob contestação
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2013, Mundo, p. 16

Logo após ser empossado presidente interino na Assembleia Nacional, no início da noite, Nicolás Maduro oficializou a convocação da eleição que definirá o sucessor de Hugo Chávez, em abril. O Tribunal Superior de Justiça (STJ) da Venezuela concluiu que não há impedimentos legais para que Maduro se candidate, embora a oposição o considere inelegível. Henrique Capriles, governador do estado de Miranda e provável candidato da coalizão antichavista, classificou como "fraude constitucional" a sentença do STJ. "Nicolás, ninguém te elegeu, o povo não votou em você", disparou o líder da oposição, em rede nacional. Maduro nomeou como seu vice o ministro de Ciência e Tecnologia, Jorge Arreaza, genro de Chávez.

Os sete juízes que compõem a Sala Constitucional do STJ entenderam que o vice escolhido por Chávez em 2012 deixou esse posto assim que foi empossado como substituto interino. "O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) pode admitir a postulação do presidente encarregado para que participe do próximo processo de eleição, por não estar compreendido com as incompatibilidades previstas no artigo 229 da Constituição", diz a decisão. Em entrevista ao jornal El Universal, a deputada opositora María Corina Machado afirmou que a sentença é "uma provocação a todos os venezuelanos e contrária aos interesses do país".

Thiago Gehre Galvão, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), discorda que o pronunciamento do TSJ fira a norma constitucional venezuelana. "Há uma disputa pela interpretação da lei. O que a oposição quer é dificultar a corrida eleitoral e deslegitimar Maduro perante a sociedade", avaliou Galvão. Segundo o estudioso, cabe ao STJ delimitar a interpretação da legislação. George Ciccariello-Maher, professor da Universidade de Drexel (na Filadélfia) e autor do livro We created Chávez: A people"s history of the venezuelan revolution (Nós criamos Chávez: uma história popular da revolução venezuelana, em tradução livre), salienta que a estratégia antichavista é "encontrar qualquer argumento para questionar o governo", na tentativa de batê-lo nas urnas. "Infelizmente para eles, voltar ao poder é uma questão de política, e não técnica, e esse tipo de argumento os faz parecer cada vez mais oportunistas", opinou Maher.

O coro dos opositores venezuelanos ganhou o reforço presidente do Paraguai, Federico Franco, ele próprio questionado por Chávez e por outros presidentes sul-americanos — Franco substituiu Fernando Lugo, cujo impeachment levou à suspensão do Paraguai no Mercosul, abrindo caminho para o ingresso da Venezuela como membro pleno. "Até em uma monarquia se sabe quem vai suceder o rei. Na Venezuela, o novo presidente é uma pessoa que não foi eleita", ironizou.

Ameça de boicote

A revolta dos opositores foi alimentada pelo anúncio de que a posse de Maduro seria realizada na sede da Academia Militar. Depois de deputados da coalizão antichavista Mesa da Unidade Democrática (MUD) ameaçarem não comparecer à sessão, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, informou que evento aconteceria na sede do Parlamento.

A oposição venezuelana questiona as relações entre governo e Forças Armadas, mais ainda depois que o Ministro da Defesa, Diego Molero Bellavia, ofereceu a garantia do Exército para a eleição de Maduro. "Por que nós (o Legislativo) temos de ser tutelados pelos militares e ir a uma sessão em um centro militar?", questionou o deputado Ángel Medina.

Três datas em estudo

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) informou ontem que tem capacidade técnica para realizar a eleição presidencial a partir de 14 de abril. Segundo o jornal El Nacional, o CNE iniciou consultas com todos os órgãos envolvidos na organização do pleito para que examinem a viabilidade de três datas propostas inicialmente: os domingos 14, 21 e 28 de abril. A autoridade eleitoral aguarda a resposta para anunciar o cronograma definitivo do processo.