O globo, n. 31832, 01/10/2020. Mundo, p. 26

 

Discórdia amazônica

Eliane Oliveira

Victor Farias

01/10/2020

 

 

Bolsonaro tacha de “lamentáveis” críticas de Biden e aponta “cobiça” pela floresta

 O presidente Jair Bolsonaro classificou como “lamentáveis” as declarações de Joe Biden, candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos, no debate de terça-feira à noite, sobre a preservação da Amazônia brasileira. Segundo Bolsonaro, a soberania nacional é “inegociável” e o Brasil não vai aceitar “subornos”. Além da ajuda equivalente a R $113 bilhões, o ex-vice de Barack Obama sugeriu consequências econômicas ao Brasil se a devastação não for contida.

“O que alguns ainda não entenderam é que o Brasil mudou. Hoje, seu Presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças. NOSSA SOBERANIA É INEGOCIÁVEL”, escreveu em rede social.

Alvo de críticas externas sobre sua política ambiental desde sua posse em 2019, Bolsonaro disse que o seu governo “está realizando ações sem precedentes para protegera Amazônia” e que cooperações entre os dois países são bem-vindas, como as que estaria discutindo com Donald Trump, que tenta a releição.

A citação ao Brasil foi uma exceção no primeiro debate entre Trump e Biden, no qual apolítica externados EUA não esteve em discussão, salvo pelos habituais ataques de Trump à China para defender sua gestão diante da pandemia de Covid-19.

Biden tentava responder sobre as razões para ser mais cauteloso na reabertura dos setores devido à crise do novo coronavírus, quando passou a ser seguidas vezes interrompido por Trump. Durante o embate, Biden tocou em um dos pontos centrais de seu plano de governo, a questão climática, e citou o Brasil ao mencionar o papel de liderança que os EUA deveriam assumir no tema.

—A Floresta Amazônica no Brasil está sendo destruída, arrancada. Mais gás carbônico é absorvido a lido queto doo carbono emitido pelos EUA. Eu tentarei me certificar de fazer com que os países ao redor do mundo levantem US$ 20 bilhões e digam (ao Brasil): “Aqui estão US$ 20 bilhões, parede devastara floresta. Se você não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas” —afirmou ele.

O presidente brasileiro afirmou que a “cobiça de alguns países sobre a Amazônia é  uma realidade” e que“ a externação por alguém que disputa o comando de seu país sinaliza claramente abrir mão de uma convivência cordial e profícua”. “Custo entender, como chefe de Estado que reabriu plenamente a sua diplomacia com os Estados Unidos, depois de décadas de governos hostis, tão desastrosa e gratuita declaração”, disse.

As reações vieram também de outros integrantes do governo. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ironizou a promessa de Biden.

“Só uma pergunta: a ajuda dos US$ 20 Bi do Biden, é por ano?”, questionou Salles, em uma rede social. Ele acrescentou que aquantia só cobriria parte dos US$ 100 bilhões prometidos a países em desenvolvimento em medidas para combater as mudanças climáticas como parte dos Acordos de Paris. Em termos de comparação, o valor sugerido pelo democrata estaria muito acima do Fundo Amazônia, que fechou 2019 com R$ 2,2 bilhões.

MACRON ENGROSSA CORO

Também no Twitter, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, afirmou que “nenhum dinheiro do mundo” pode comprar “a liberdade e soberania brasileira”.

Ainda ontem, na Cúpula de Biodiversidade da ONU, em Nova York, o Brasil foi novamente alvo de críticas, desta vez por parte do presidente da França, Emmanuel Macron. Em mensagem de vídeo, Macron criticou ao desmatamento da Amazônia e atribuiu aos problemas ambientais do Brasil a recusa francesa em ratificar o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Ele culpou o cultivo de soja pela destruição da floresta.

“A UE não assinou o acordo de comércio com o Mercosul porque ele ameaça aumentar o desmatamento”, disse Macron.

Mais tarde, também por mensagem de vídeo gravada, Bolsonaro reafirmou o “direito soberano” dos países de explorar sua biodiversidade e rechaçou o que chamou de “cobiça internacional” sobre a Amazônia. “Não podemos aceitar, portanto, que informações falsas e irresponsáveis sirvam de pretexto para a imposição de regras internacionais injustas, que desconsiderem as importantes conquistas ambientais que alcançamos em benefício do Brasil e do mundo”.

O presidente, sem apresentar provas, também acusou ONGs de se aliarem a organizações criminosas para “comandar crimes ambientais no Brasil e no exterior”.

ANALISTAS INDICAM RISCO

Para analistas, afala de Biden é um sinal forte de que se ele vencer, o Brasil se verá diante de uma pressão cada vez maior nas questões climáticas.

—Esse episódio decorre de uma série de erros estratégicos profundos da atual diplomacia brasileira, relacionados coma ideologia negacionista, que dá as costas para a ciência, reduz o orçamento e o número de servidores dos órgãos de proteção ambiental. Se o atual presidente não se reeleger, o Brasil ficará em maus lençóis —afirmou Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

Apesar de não considerar que a agenda bilateral será tão afetada em caso de vitória de Biden, o ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa lembrou que os EUA devem retornar ao Acordo de Paris para o clima, abandonado por Trump em 2017. Para ele, isso deve forçar uma mudança de rumo em Brasília.

—O meio ambiente é um tema global, não é uma questão comercial, ou de grupos, quer gostemos ou não. Haverá uma correção de rumo e o Brasil terá que defender seus interesses —disse Barbosa.

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Trump atacou rival e sistema, mas não ganhou votos

Filipe Barini

01/10/2020

 

 

Pesquisas indicam que debate não ampliou eleitorado do republicano; posição muito agressiva sofreu críticas até de aliados

 Um dia depois de um dos mais tumultuados debates presidenciais da História recente dos EUA, a grande questão que ficou dos 90 minutos de interrupções, agressões verbais e poucas propostas é se ele terá impacto nos eleitores indecisos. Embora relativamente poucos, em torno de 10%, esses eleitores podem decidir quem ganha em estados decisivos para o Colégio Eleitoral — e, pelo que indicam as sondagens pós-debate, o democrata Joe Biden parece ter se saído melhor.

Pela pesquisa da CNN e do instituto SSRS, 32% dos que assistiram ao programa ficarammais propensos a votar no democrata, enquanto 11% penderam para ola dodop residente DonaldTrump.P ara 57%, o programa não interferiu nas suas intenções de voto. Em geral, Biden foi considerado o vencedor do duelo: 60% a 28% na pesquisa da CNN, 47% a 40% nada CBS e 51% a 39% na da Data for Progress.

Historicamente, debates não exercem grande efeito: muitos eleitores já estão com suas opiniões cristalizadas e, no caso desta eleição, milhares já depositaram suas cédulas no correio de forma antecipada. Por isso, analistas apontaram que a estratégia de Trump, de interromper Biden de forma recorrente —foram 128 interrupções, segundo contagem da revista Slate —, impedindo que a discussão fosse aprofundada, pareceu voltada apenas à sua base, repetindo a estratégia usada há quatro anos.

—Em 2016, propostas políticas já não figuravam como prioridade dele. Críticas às realizações de Barack Obama, ataques à candidata Hillary Clinton e a ideia dos ‘EUA grandes novamente’ pareceram suficientes para o seu eleitorado —afirmou Veronica Paiva, professora de História das Relações Internacionais da Universidade Veiga de Almeida.

PRÓXIMO EMBATE

Trump tentou fazer algo que vai além do dia 3 de novembro. Ao questionar a lisura do sistema eleitoral e dar de ombros para as regras do programa, pôs em xeque a própria validade dos debates políticos. “Os esforços de Trump não foram uma tentativa de ganhar o debate. Elas serviram para fazer com que o debate em si se tornasse impossível”, escreveu Ian Dunt no jornal britânico iNews.O presidente deixou o palco em júbilo, como relatou o site Politico, mas mesmo republicanos consideraram que ele passou do limite.

— Você entra e decide que quer ser agressivo, e eu acho que foi a decisão correta a ser tomada, mas com toda aquela energia, você pode perder o brilho. Isso pode potencialmente ser corrigido — disse o ex-governador republicano Chris Christie, que ajudou o presidente ase preparar para o debate, em entrevista à ABC.

A ideia de queBiden teve posição defensiva é contestada por especialistas como Nate Silver, do site FiveThirtyEight, para quem o democrata optou por uma atuação sem riscos, como líder das pesquisas. O próximo debate, em 15 de outubro, será no formato “town hall”, com os candidatos em pé e respondendo a perguntas de eleitores indecisos.

—Esse formato pode ajudar a trazer mais discussões políticas, já que Trump talvez seja obrigado a discorrer sobre suas propostas — afirmou Vinicius Vieira, professor de Economia e Relações Internacionais da FAAP.