O globo, n. 31833, 02/10/2020. País, p. 4

 

Martelo batido

Daniel Gullino

Gabriel Shinohara

02/10/2020

 

 

Bolsonaro rebate críticas de aliados e confirma indicação para o STF

 O presidente Jair Bolsonaro rebateu as críticas de aliados e confirmou a indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o presidente, o ato já deve estar no Diário Oficial nesta sexta-feira. A escolha foi antecipada anteontem pelo colunista Lauro Jardim e, desde então, alvo de ataques nas redes bolsonaristas e de reclamações de lideranças evangélicas.

A escolha é mais um gesto do presidente de afastamento de aliados mais ideológicos e de discurso radical, cristalizando o movimento dos últimos meses em direção a uma melhor relação com caciques políticos e a ministros do STF. Na campanha, e também em parte do mandato, eram comuns críticas ao Supremo eà classe política, mas foi justamente a integrantes da Corte e do Senado que Bolsonaro recorreu em busca de aval para a escolha.

Durante o voo de volta de Sertânia, em Pernambuco, ministros aconselharam o presidente a oficializar o nome. Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil) argumentaram não conhecer o desembargador, mas que se o presidente estava ciente da decisão, que não deixasse o Marques “no sereno” por muito tempo.

O presidente, então, fez o anúncio na live semanal que realiza às quintas-feiras.

— Sai publicado amanhã no Diário Oficial o nome do Kassio Marques para a nossa primeira vaga do Supremo Tribunal Federal —disse.

Apesar da oficialização, a vaga só será aberta de fato em 13 de outubro, quando Celso de Mello se aposentará. Mesmo assim, a indicação já seguirá para o Senado, que precisa dar o aval para que Marques chegue ao STF. A indicação não deve ter dificuldades para ser aprovada no Senado. Ontem,  até senadores críticos ao governo, como Kátia Abreu, elogiaram a escolha.

Bolsonaro se dispôs a rebater de forma pontual algumas das críticas feitas ao indicado, como por ter liberado uma licitação do STF que previa a compra de alimentos como lagostas e vinhos caros, e por ter votado a favor de suspendera ordem de primeira instância para deportação do italiano Cesare Battisti.

— Vão desqualificar o desembargador só porque ele deu uma liminar para retornar o cardápio do Supremo.

Se um juiz de 1ª instância diz que não pode lagosta, o outro pode dizer que não vale batata frita, o outro, por exemplo, que é vegetariano ,“não, vamos acabar com a carne vermelha no STF ”— disse.

Desde que foi revelada a escolha, Bolsonaro foi bombardeado com mensagens de aliados pedindo para rever a indicação. Segundo interlocutores, a maioria dos textos trazia informações atrelando o desembargador ao PT e criticando decisões tomadas por ele no Tribunal Federal da 1ª Região (TRF-1).

Bolsonaro respondeu a alguns amigos por mensagem, alegando que as indicações, apesar de responsabilidade do presidente, precisam também ser chanceladas pelo Senado.

Na live, o presidente ainda destacou que até abril deste ano o pedido de vários aliados seus era que a vaga fosse ocupada pelo ex-ministro Sergio Moro, hoje seu desafeto.

— O ano passado todo até mais ou menos abril desse ano, vocês queriam quem para o STF? E me acusaram. Vocês queriam Sergio Moro para o Supremo, não era isso? E me ameaçavam no Facebook o tempo todo. Se não for o Sergio Moro para o Supremo acabou, acabou, acabou! Agora. Você quer que eu troque o Kassio pelo Sergio Moro? E daí? E daí? O famoso e daí? Quer que eu faça o quê? Responde aí.

 EVANGÉLICOS

O presidente procurou fazer um afago no segmento evangélico afirmando que a segunda vaga será para um jurista que professe essa fé, uma vez que Kassio Marques é católico. Bolsonaro disse não ver problema em estabelecer o critério pois os evangélicos representam “um terço da população” e destacou já ter havido pressão pela nomeação de mulheres e negros para a Corte. Mas reiterou que precisa ser alguém de sua confiança.

— A questão de amizade é uma coisa importante, o convívio da gente, eu vou indicar para o ano que vem. Primeiro pré-requisito, tem que ser evangélico. Outro, tem que tomar tubaína comigo. Não adianta ter um currículo maravilhoso, indicado por autoridades. Se eu não conhecer, não vou indicar. O meu compromisso é com um evangélico.

— A questão de amizade é uma coisa importante, o convívio da gente, eu vou indicar para o ano que vem. Primeiro pré-requisito, tem que ser evangélico. Outro, tem que tomar tubaína comigo. Não adianta ter um currículo maravilhoso, indicado por autoridades. Se eu não conhecer, não vou indicar. O meu compromisso é com um evangélico.

Algumas das críticas mais veementes à escolha vieram justamente deste segmento.

— O que está gerando mal estar é quem (o presidente) indicou. É um absurdo a indicação desse cara—disse o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, ao GLOBO.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) também criticou o nome de Marques por supostamente ser de esquerda eter ligação como PT.

— O que não esperávamos é que a primeira seria de um petista. O que não esperamos ainda é isso. O Judiciário está aparelhado pela esquerda e nossa única esperança era eleger um presidente para começar a desaparelhar— disse o parlamentar.