O globo, n. 31833, 02/10/2020. Sociedade, p. 11

 

Pantanal tem maior registro de queimadas da História, diz Inpe

Johanns Eller

Renato Grandelle

02/10/2020

 

 

Análise e realizada desde 1998; Amazônia sofreu o segundo mês de setembro com mais incêndios da última década

As queimadas que atingem o Pantanal em 2020 são as piores registradas em sua História, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que analisa a região desde 1998. O bioma teve o setembro mais ardente já medido, com 8.106 focos de incêndio. É quase o triplo do mesmo mês do ano passado, quando 2.887 focos de fogo atraíram atenção internacional e motivaram uma força-tarefa do Corpo de Bombeiros.

De janeiro a setembro, foram registrados 18.259 focos de fogo no Pantanal. Já ultrapassou-se, então, o ano em que o bioma sofreu a maior devastação — em 2005, foram 12.536 queimadas. E o recorde pode durar pouco, já que a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil estima que a região permanecerá vulnerável a uma estiagem severa nos próximos cinco anos.

O Inpe também divulgou ontem o balanço atualizado de queimadas na Amazônia. A região teve o segundo pior setembro da década, com 32.017 focos de incêndio ativos, atrás apenas de 2017. No acumulado do ano, o bioma já registrou 76.030, a maior parte entre julho e setembro.

As queimadas também já transbordaram o Pantanal e a Amazônia e chegaram a outros biomas do país. Desde o início da semana, foram registrados focos de incêndio em Serra do Cipó, Ibitipoca e Gruta Rei do Mato, todas em Minas Gerais e situadas entre a Mata Atlântica e o Cerrado.

A ONG SOS Mata Atlântica divulgou que os incêndios aumentaram quase 10% este ano, considerando ocorrências vistas em áreas florestais, fazendas e beira de rodovias, entre outras regiões. Foram 14.760 focos em 2020, e a expectativa é de que este índice avance ainda mais no bioma, que já perdeu 90% de sua área original.

—Na maioria dos casos, os brigadistas e bombeiros locais estão conseguindo controlar as chamas, mas algumas vezes precisamos dos governos estaduais — explica Marcia Hirota, diretora executiva da SOS Mata Atlântica.

— Vimos isso recentemente na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais. Pedimos para que os municípios também tenham seus brigadistas. E também devemos lidar com outras regiões críticas, como as bordas das florestas e as unidades de conservação.

Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy relaciona o aumento dos incêndios a uma suposta sensação de impunidade transmitida pelo presidente Jair Bolsonaro a desmatadores.

— Desde o início do governo, houve uma série de afirmações de que não haveria punição a quem desmatasse a Amazônia. Prova disso foi o Dia do Fogo quando diversos produtores rurais atearam fogo na floresta, em um sinal de apoio a Bolsonaro —recorda.

— A fiscalização é deficiente porque o Ibama foi retirado da função e, em seu lugar, entrou o Exército, que não tem conhecimento necessário para realizar esse trabalho.

MUDANÇA DE POSTURA

Bocuhy acredita que as chuvas previstas para outubro apagarão focos de incêndio na Amazônia e no Pantanal, mas que, se não houver mudança na postura do governo, a devastação ambiental observada atualmente pode aumentar nos próximos anos.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP, avalia que a ação climática não tem relação com o atual cenário de destruição dos biomas brasileiros — a culpa, segundo ele, é “totalmente do homem”.

—O Pantana lé uma planície alagada, não pega fogoso zinho. A maior parte dos incêndios, senão ato tali da de, é causado pela ação humana — critica. — Da mesma forma, a Amazônia é uma planície tropical chuvosa. Só está pegando fogo devido a ocupações ilegais incentivadas pelo governo federal, cuja política é destruir os ecossistemas a qualquer preço.

De acordo com Artaxo, o governo está seguindo um roteiro que levará à destruição de toda a estrutura legal do meio ambiente no país.

Assim como Bocuhy, o físico considera que, nas próximas semanas, as chuvas devem arrefecer as queimadas do Pantanal e da Amazônia. E comenta a declaração dada na semana passada pelo secretário do Comitê Estadual de Gestão do Fogo do Mato Grosso, Paulo André da Silva Barroso, de que “é São Pedro que vai apagar este fogo”:

— A sociedade brasileira precisa de políticas públicas contra as queimadas. Não pode ficar na mão de santo.