Valor econômico, v. 21, n. 5120, 04/11/2020. Brasil, p. A7

 

Projeto permitirá que Campos fique até 2028

Vandson Lima

Renan Truffi

04/11/2020

 

 

Proposta dá duplo mandato mitigado ao BC, que olhará a atividade econômica, “ na medida de suas possibilidades”

O Senado aprovou ontem, por 56 votos a 12, projeto que promove a autonomia operacional do Banco Central. Uma mudança no texto permitirá que o atual presidente, Roberto Campos Neto, possa se tornar o mandatário mais longevo da história da instituição, permanecendo no cargo por quase 10 anos.

Pela proposta, que segue para análise na Câmara dos Deputados, o BC mantém a missão de assegurar a estabilidade monetária, mas passa a também perseguir, “na medida de suas possibilidades”, o fomento ao pleno emprego no país, em uma espécie de duplo mandato mitigado. “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, consta no artigo 1 do projeto.

A proposta estabelece datas para a nomeação da diretoria colegiada do BC, da qual fazem parte o presidente e os oito diretores, com mandatos de quatro anos, admitida uma recondução. No caso do presidente da instituição, o início do mandato ocorre no dia 1º de janeiro do terceiro ano de governo do presidente da República em exercício.

Como no caso do presidente Jair Bolsonaro, esta data seria já no início de 2021, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) e o relator, Telmário Mota (Pros-RR) inseriram uma emenda para evitar prejuízos a Campos Neto e sua equipe. Assim, eles não precisarão passar por todo o processo de indicação novamente, sendo apenas nomeados e, no caso de Campos Neto, seu mandato será fixado até 31 de dezembro de 2024.

Campos Neto poderá ser reconduzido após esta data e, se isso ocorrer, conduzirá o BC por mais quatro anos, até 31 de dezembro de 2028 (9 anos e 10 meses). Isso o tornaria a pessoa a exercer o cargo por mais tempo desde que a instituição foi criada, em 1965 - um dos idealizadores do BC foi justamente seu avô, Roberto Campos.

Até hoje, o presidente com mais tempo à frente do BC foi Henrique Meirelles, que ficou no cargo entre 2003 e 2010.

Telmário destacou que a proposta visa afastar a instituição de influências políticas indevidas ao fixar mandatos não coincidentes com o período de poder dos presidentes do país. “Trata-se de uma questão importante, particularmente em anos eleitorais e quando há, no poder, governos com viés populista, seja ele de direita ou de esquerda. Evita até mesmo interpretações de que o BC deixou de aumentar a taxa básica de juros para conter a inflação por pressões político-partidárias ou eleitorais”, apontou.

O projeto estabelece que o Banco Central será qualificado como “autarquia de natureza especial”, não se subordinando a nenhum ministério. Na legislação em vigor, embora o BC seja Autarquia federal, seu presidente é titular de cargo de ministro de Estado, o que seria incompatível com mandato fixo, pois, de acordo com a Constituição, o ministro de Estado é livremente demissível pelo presidente da República. Como resultado dessa mudança, prevê-se a atribuição à autarquia de relativa autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira.

Os aprovados só poderão ser destituídos em caso de condenação criminal transitada em julgado; pedido de dispensa; e demissão por iniciativa do presidente da República, com justificação acompanhada da exposição de motivos, aprovada pelo Senado, mediante votação secreta, sendo assegurado o direito de defesa.

Valério e o senador Tasso Jereissati (CE), ambos do PSDB, negociaram um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): como há outros projetos de autonomia do BC na Casa vizinha, Maia aguardou o Senado aprovar sua proposta para que todas tramitem conjuntamente na Câmara.

O Senado também aprovou projeto que possibilita ao Banco Central substituir as operações compromissadas pelo depósito voluntário remunerado das instituições financeiras. A ideia é dar ao BC uma ferramenta para controle da moeda que tenha impacto menor sobre a dívida pública. A proposta foi apresentada pelo líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), e levada ao presidente do banco, Roberto Campos Neto, que apoiou o texto. O órgão já enxergava essa mudança com bons olhos há algum tempo.

O principal argumento dos petistas é corrigir distorções na contabilidade da dívida bruta. Na justificativa do projeto, Rogério Carvalho apresenta até mesmo uma possível redução da dívida como um dos grandes atrativos da matéria. “No critério do BC, a dívida bruta poderia ser reduzida em até 18 pontos percentuais do PIB (considerando o atual volume de operações compromissadas)”, diz, ressaltando que a dívida nos últimos anos subiu mais que o déficit público devido às operações de política monetária.