Valor econômico, v. 21, n. 5120, 04/11/2020. Curtas, p. A12

 

Bolsonaro é aconselhado a esperar apuração para falar

Daniel Rittner

04/11/2020

 

 

Assessores querem evitar pronunciamento precipitado do presidente brasileiro, que poderia prejudicar as relações com os EUA

O presidente Jair Bolsonaro foi aconselhado por auxiliares a evitar qualquer pronunciamento sobre o resultado das eleições americanas enquanto não houver total clareza sobre a vitória de Donald Trump ou de Joe Biden.

Para assessores presidenciais, Bolsonaro deveria esperar até que a apuração das urnas indique um resultado incontestável. O Itamaraty vai monitorar a comunicação oficial de outros países, principalmente do G-20, sobre o pleito nos Estados Unidos.

Com mais de 100 milhões de votos antecipados, boa parte pelo correio, sobram dúvidas sobre o tempo da apuração. Trump já ameaçou contestar uma eventual derrota e democratas receiam que ele aproveite resultados iniciais favoráveis para se declarar vencedor.

Diante das incertezas, o comportamento de Bolsonaro e de seus filhos nas redes sociais é um ponto de preocupação entre diplomatas e a ala militar do governo. O temor é de que a família presidencial se apresse em parabenizar Trump, caso o republicano se autoproclame vitorioso, à revelia de seus oponentes democratas.

Para os auxiliares de Bolsonaro, suas declarações de apoio a Trump já estão precificadas pelo Partido Democrata. No entanto, uma postagem em defesa do republicano em momento delicado de apuração dos votos, enquanto o resultado não estiver definido, pode deixar ressentimentos na campanha de Biden.

Bolsonaro recebeu ontem de sua equipe uma avaliação de que Trump pode alimentar a esperança de superar o favoritismo de Joe Biden e ser reconduzido à Casa Branca, mas isso dependerá de algo incerto: o comparecimento massivo de eleitores republicanos às urnas - especialmente em distritos rurais dos Estados Unidos.

De acordo com prognósticos levados ao presidente por seus assessores, Trump poderia alcançar 280 votos ou pouco mais no colégio eleitoral - são necessários 270 votos para sagrar-se vitorioso no sistema indireto americano.

Nesse cenário, Trump levaria Estados-chave onde as pesquisas apontavam empate técnico, como a Flórida e o Arizona. O grande fiel da balança, segundo auxiliares de Bolsonaro analisaram em caráter reservado, seria a Pensilvânia.

O site especializado Real Clear Politics, que acompanha pesquisas, aponta Biden com uma vantagem de apenas 1,2 ponto percentual na média dos últimos levantamentos. Em 2016, Trump venceu a democrata Hillary Clinton por diferença mínima no Estado.

No mapa eleitoral desenhado pelo Palácio do Planalto, apesar de uma corrida mais acirrada, os republicanos tinham tudo para preservar a maioria na Geórgia. Conforme a leitura repassada para Bolsonaro, pesquisas no Estado têm histórico de subestimar o comparecimento dos conservadores e o apoio da comunidade negra ao Partido Republicano.

Há um reconhecimento de que a votação antecipada em número recorde, presencialmente ou pelo correio, favorece Biden. Por outro lado, ponderaram assessores presidenciais, ainda podiam surgir dois fatores pró-Trump: o chamado voto “envergonhado” e o voto da “geração Z”.

Em 2016, as pesquisas deixaram de captar a intenção de eleitores que pensavam em votar no republicano, mas escondiam esse desejo para evitar polêmicas.

Normalmente, esse fenômeno é menos visto com o incumbente, já sujeito a todos os estresses e desgastes políticos de quatro anos no cargo. Porém, a avaliação é de que um dos temas mais destacados da atual campanha - a pandemia de covid-19 - deixa muitos apoiadores de Trump menos à vontade para assumir publicamente suas posições reais.

Outro ponto pouco observado, na avaliação dos auxiliares de Bolsonaro, é que jovens indo às urnas pela primeira vez são mais conservadores do que no passado. “A geração de 1968 chegou ao poder e a direita se tornou a contracultura [de seus filhos]”, afirma um interlocutor de Bolsonaro. Além disso, acrescenta essa fonte, são jovens que odeiam atender o telefone e tendem a não responder pesquisas.