Título: Referendo da discórdia
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2013, Mundo, p. 19

Trinta anos após a guerra que deixou mais de mil mortos, em um confronto que durou dois meses, os moradores das ilhas Malvinas, ou Falkland — como são chamadas em inglês —, respondem amanhã e segunda-feira se querem ou não manter o status de território ultramarino do Reino Unido. A Argentina, que reclama a soberania do arquipélago, já disse não aceitar a legitimidade do referendo e lembra que os atuais moradores dele são descendentes de britânicos e, por isso, não poderiam decidir o futuro do território. A Coroa inglesa, por outro lado, reforça a ideia de autodeterminação dos povos, prevista na Carta da Organização das Nações Unidas, e defende que os habitantes locais devem ser ouvidos sobre a questão.

Entre os kelpers, como são conhecidos os moradores do arquipélago, a preferência pelo "sim" nas urnas não é segredo. Eles mantêm uma forte ligação com a Grã-Bretanha, que extrapola a língua comum. O governo europeu administra assuntos de política externa e de defesa das ilhas — com custo estimado de 0,177% do Orçamento anual de defesa do Reino Unido. O intercâmbio também se estende à educação, uma vez que a maior parte dos adolescentes nascidos nas Malvinas completam os estudos lá.

Economicamente, as ilhas são autossuficientes, e a recente descoberta de reservas de hidrocarboneto — em fase de estudo para avaliar a viabilidade de exploração —desperta o interesse de países e empresas estrangeiras. O embaixador do Reino Unido no Brasil, Alan Charlton, defende que os parques onde se encontram o composto químico pertencem a Falkland, assim como o eventual lucro proveniente da exploração dele. O diplomata, no entanto, admite que "os ilhéus consideram repassar para a Grã-Bretanha parte do petróleo como forma de compensação pela ajuda que a Coroa presta às Malvinas".

Para Alberto Pfeifer, professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP), a invasão do arquipélago por militares argentinos, em 1982, e a recente descoberta de reservas energéticas complicam as chances de sucesso da Argentina. "Se, em vez de invadir as ilhas, naquela época, eles tivessem tentado um acordo diplomático, poderiam ter conseguido algum sucesso porque, até então, elas não representavam nada para o Reino Unido", explica. Apesar de a questão não ter para os britânicos o apelo que tem na Argentina, a guerra tornou a região conhecida e a influência inglesa tornou-se tema de orgulho popular, analisa Pfeiffer.

A argumentação argentina denuncia o que seu governo chama de imperialismo moderno e condena a manutenção das Malvinas com o status de território britânico. "Esse é um reclame histórico. Mas é também histórica a presença dos ingleses na região. Eles ocupam o arquipélago desde 1833", analisa Fábio Wanderley, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que acredita em uma solução política para a disputa. Mercosur, Unasur e 54 Estados africanos apoiam a sua demanda, afirma Kirchner. "O mundo clama por diálogo sobre a questão", declarou ela no Congresso Nacional argentino durante a abertura do ano legislativo.

Indignação

Ironicamente, representantes das Malvinas dizem que a tentativa da Argentina de reconquistar a soberania das ilhas é um ato imperialista. Em fevereiro, o chanceler Héctor Timmerman garantiu que, em 20 anos, o arquipélago será argentino e se negou a debater a questão com a participação de representantes dos ilhéus, o que despertou a indignação dos kelpers. "Não somos uma colônia do Reino Unido, somos um território britânico por escolha, o que é completamente diferente", defenderam os habitantes das Malvinas no site oficial da Assembleia Constituinte local.

Previsto para ser divulgado na noite de segunda-feira, o resultado do referendo não deve ter nenhum efeito imediato, mas pode influenciar a opinião pública, assim como organismos internacionais. "Elevado a qualquer tipo de demanda ou contencioso político ou jurídico no plano internacional, a vontade dos habitantes da ilha terá de ser considerada", justifica Pfeifer. Da população de cerca de 2,5 mil habitantes, 1.672 estão aptos a votar.