O globo, n. 31834, 03/10/2020. País, p. 13

 

Bolsonaro pode esperar fidelidade total do futuro ministro do Supremo?

Francisco Leali

03/10/2020

 

 

A opção do presidente Jair Bolsonaro de mandar para o Supremo Tribunal Federal (STF) o desembargador Kassio Marques, motivo de celeuma até no universo dos aliados mais à direita, retoma a questão: será o indicado fiel para todo o sempre ao presidente que lhe deu a cadeira no topo do Poder Judiciário? A história recente é repleta de exemplos que dizem o contrário. Ministro posto pode surpreender e até mesmo postar-se do lado oposto ao do presidente da República. O caso do mensalão, ainda na Era PT, surge como marco inicial. Joaquim Barbosa foi levado à Corte pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vindo do Ministério Público Federal (MPF), e tendo lido o conteúdo do que fora apurado no mensalão, Joaquim atuou como entendeu ser devido na ocasião, pedindo a condenação da cúpula petista. Votos de Carmem Lúcia, Ayres Britto, Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski foram na mesma direção, embora este último ministro tenha defendido penas mais brandas do que aquelas propostas pelo relator. 

O atual presidente da Corte, Luiz Fux, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, ambos indicados pela então presidente Dilma Rousseff, tiveram posicionamentos que não agradaram aos padrinhos petistas. O ex-ministro José Dirceu até mesmo acreditou que Fux poderia "matar no peito" e não condená-lo no mensalão, mas se enganou. No passado ainda mais recente, há o falecido ministro Teori Zavascki e seu sucessor na relatoria da Lava-Jato, Edson Fachin. Ambos nomeados pela gestão petista, ambos com decisões que afetaram o núcleo do poder do governo de então. Dias Toffoli, até outro dia presidente do STF, foi, na Corte, quem mais se aproximou de Bolsonaro. A maioria dos seguidores do presidente não deve se lembrar que o ministro foi chefe de gabinete de José Dirceu e levava a caneta para Lula assinar MPs e decretos.  

No caso do mais novo indicado, ao que se sabe, seu nome chegou ao Palácio do Planalto com apoio de políticos do centrão. O agrado ao grupo político que avalizou o nome era de interesse de Bolsonaro. Mas a fidelidade integral do futuro togado do STF não é fato consumado. Considerando que seu nome nem veio do núcleo bolsonarista, é de se esperar que, em algum momento, o ministro possa até mesmo decepcionar o padrinho.

O que não autoriza dizer, no entanto, que seu nome será de todo ruim para o governo. As teses que o ministro já defende no meio jurídico parecem alinhadas com políticos sob investigação, que não querem ir para cadeia após condenação em segunda instância. 

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Evangélicos cobram que Kassio se declare ‘conservador’

03/10/2020

 

 

Insatisfeitos com a indicação de Kassio Marques ao Supremo Tribunal Federal (STF), evangélicos alinhados ao governo cobram do presidente Jair Bolsonaro — e do desembargador — um posicionamento claro sobre pautas conservadoras. Eles querem que Marques se manifeste sobre temas sensíveis para o grupo, como aborto, casamento homossexual e jogos de azar. 

— Até agora ele (Kassio Marques) não veio a público dizer se é conservador, se é a favor do aborto, se é a favor de jogos de azar, se é a favor de casamento homossexual, se valoriza a família. Se for um conservador, parabéns, boa indicação. Mas até agora nem o indicado nem o próprio presidente está mostrando o currículo de conservador dele — afirmou o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), lembrando que o indicado poderá ficar 27 anos no STF.

  RECADO DO PRESIDENTE

Apesar de se dizer um dos mais “ardorosos” defensores de Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, chamou a indicação como “absurda” e “vergonhosa”.

— É uma decepção geral. O senhor (Bolsonaro) está colocando um camarada que atende o centrão, o PT e a esquerda — afirmou, em vídeo.

  Ontem, Bolsonaro disparou contra uma “autoridade do Rio de Janeiro” que “diz ter Deus no coração”.

— Eu lamento muito uma autoridade lá do Rio de Janeiro que eu prezava muito e que está me criticando com videozinhos, me xingando de tudo quanto é coisa —disse Bolsonaro. O recado veio um dia depois de o vídeo de Malafaia viralizar, com cem mil visualizações no YouTube. Malafia disse não responder a “possíveis indiretas”. A indicação deu início a uma rede de intrigas no Supremo. Segundo a colunista Bela Megale, a atuação de Gilmar Mendes e Dias Toffoli na chancela junto a Bolsonaro do nome de Kassio Marques foi vista como uma tentativa de esvaziar o presidente da Corte, Luiz Fux. Ele, porém, afirmou a interlocutores que não buscou se envolver no processo para “não dever favores”. No Senado, a sabatina só deve acontecer após a saída de Celso de Mello, no dia 13 de outubro, mas na quartafeira, antes da oficialização, Kassio Marques já deu início ao beija-mão e esteve na casa de Eduardo Braga (MDBAM), junto com Fernando Bezerra (MDB-PE), Kátia Abreu (PP-TO), Renan Calheiros (MDB-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI).