O globo, n. 31834, 03/10/2020. Mundo, p. 25

 

Trump com Covid-19

03/10/2020

 

 

A um mês da eleição, doença do presidente gera incerteza
Menos de 24 horas depois de ter sido diagnosticado com o novo coronavírus —em um anúncio que jogou na incerteza a campanha para as eleições de novembro—o presidente americano, Donald Trump, foi levado a um hospital militar em Bethesda, a poucos quilômetros da Casa Branca. Segundo os médicos e a porta-voz da Presidência, Trump — que tem 74 anos e pesa 110kg, dois fatores de risco —apresenta sintomas leves da doença, incluindo febre, cansaço, dor de cabeça e congestão nasal, e a transferência para o centro médico teria sido por precaução, caso ele necessite de cuidados imediatos. Um presidente negacionista, que desde o início da pandemia minimizou os efeitos da Covid-19, descumpria e fazia pouco das regras de distanciamento social, reunindo milhares de pessoas em seus comícios, Trump anunciou que ele a primeira-dama, Melania, estavam infectados pela Covid-19 na madrugada de ontem.

Os dois se submeteram a um exame depois da revelação de que uma das assessoras mais próximas do republicano, Hope Hicks, estava coma doença. Ela esteve com Trump em um ato público na quarta-feira e foi testada no mesmo dia após sentir os primeiros sintomas. Segundo a Bloomberg, o presidente foi informado do resultado na manhã de quinta, e mesmo assim manteve a agenda de campanha, que previa um evento de arrecadação de fundos em Nova Jersey. Segundo pessoas que estiveram no ato, ele aparentava fadiga. Mais tarde, em entrevista à FoxNews,est ava coma voz rouca. Horas depois, veio o diagnóstico. A Casa Branca disse que a viagem a Nova Jersey fora mantida porque tinha sido julgado seguro.

 REVIRAVOLTA POLÍTICA

De acordo com o chefe de Gabinete, Mark Meadows e com o médico da Casa Branca, Sean Conley, o presidente eap ri meira-dama estavam de“bom humor ”. No final da tarde, porém, a porta-voz da Presidência, KayleighM c Enany, anunciou uma mudança crucial na história: em vez de observara quarentena na residência o fi cial,Trump serial evado para o hospital militar Walter Reed, em Bethesda, na região metropolitana de Washington. Em um vídeo curto e aparentando estar sem fôlego, publicado no Twitter, o próprio presidente dizia ser uma medida de precaução. Obeso, com 74 anos de idade, sem praticar exercícios físicos e com o colesterol elevado, Trump está dentro do chamado grupo de risco, o que ajudaria a explicar os cuidados adotados pelos médicos. O republicano tinha apenas um compromisso oficial na sua agenda ontem, uma chamada telefônica sobre os efeitos da pandemia sobre “idosos vulneráveis”. Ele foi substituído pelo vicepresidente Mike Pence, que também realizou exame e não está infectado. Além de levantar preocupações sobre o estado de saúde do chefe de Estado, o teste de Donald Trump terá um impacto determinante na reta final da campanha, justamente quando o republicano apertava o passo para tentar reverter avantagem que o democrata Joe Biden apresenta nas pesquisas, nacionais e estaduais — Biden tem se mantido à frente nacionalmente com cer cade 7 pontos de diferença. Apesar de a pandemia estar longe do fim, ele apostou no retorno aos eventos presenciais, alguns com milhares de pessoas, onde o uso de máscara parecia ser opcional. Desde os primeiros casos, Trump adota uma postura negacionista, contra medidas mais duras de distanciamento social, alegando que os efeitos econômicos de um lockdown rígido seriam mais danosos do que os impactos sanitários — um discurso abraçado por boa parte de seus apoiadores.

Mas o teste da madrugada de ontem mudou todos os planos. A começar pelo isolamento a ser cumprido pelo presidente, agora impossibilitado de participar de comícios e eventos de arrecadação de fundos. Mesmo sua participação no segundo debate presidencial, no dia 15 de outubro, não é dada como certa. “A campanha como conhecemos acabou. Esseéo pior pesadelo para a campanha de Trump”,afirm ou, aositePo litico, o estrategista democrata An dr ewFeldman.

 IMPACTO NA IMAGEM

Todos os atos públicos, a começar por um comício em Orlando, na Flórida, na noite de ontem, foram adiados ou então serão conduzidos de forma virtual, como declarou o chefe da campanha do republicano, Bill Stepien. A medida se aplicará a atos com a participação de integrantes da família do presidente.

Mesmo que a recuperação deTrump seja rápida, o impacto na imagem dele ena tentativa de afastara narrativa da situação da Co v id -19 no país vai ser difícil de confrontar. Pouco afeito a usar máscaras em público e questionando a gravidade da doença desde

Os primeiros casos, Trump disse em um comício, há cerca de dez dias, que a Covid-19 “não afeta praticamente ninguém” — isso em um momento em que os EUA chegavam à trágica marca de 200 mil mortos pela doença. No debate presidencial, ironizou o fato de o democrata Joe Biden usar sempre a proteção em público.

— Eu não uso máscara como ele. Toda vez que nós o vemos, ele traz uma máscara. Ele poderia estar falando a 60 metros de distância de alguém e ele ainda estará coma maior máscara que já vi.

 ‘E AGORA?’

Agora, além do debate sobre sua saúde, todos os questionamentos sobre amaneira como o governo americano lidou coma pandemia serão retomados, deixando em segundo plano tem ascomo a indicação d ajuíza Amy Coney Barrett para a Suprema Corte ou as discussões sobre um novo pacote de estímulo econômico no Congresso. Trump já não era bem avaliado na gestão da pandemia antes de cair doente: pesquisa a dia 19 de setembro indicou que 56% dos americanos não a aprovam.

“As pessoas estão, tipo, ‘E agora? O que isso significa para o que estamos tentando fazer aqui com apenas 32 dias sobrando (até a eleição)?’”, afirmou um integrante da campanha republicana, citado pelo site Politico. Diante desse cenário, Joe Biden tem, nas palavras de analistas, “um país inteiro para si”, mas precisa dosar o tom para não parecer insensível. Aos 77 anos,oex-vice-presidente,que esteve a poucos metros de Trump no debate de terça-feira, realizou dois testes para a Covid-19 ontem, ambos com resultado negativo.