Valor econômico, v. 21, n. 5121, 05/11/2020. Curta, p. A9

 

Avaliação do ensino básico pelo MEC peca por falta de conclusões

Hugo Passarelli

05/11/2020

 

 

Dados como os de alfabetização não trazem meta nem contexto

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou ontem dados inéditos sobre a aprendizagem em língua portuguesa e matemática de alunos do 2º ano do ensino fundamental e também de estudantes do 9º ano nas disciplinas de ciências da natureza e humanas. Especialistas apontam, porém, a limitação do uso dessas avaliações como instrumento de política pública.

As provas, que foram aplicadas em 2019 e fazem parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), iniciam nova série histórica e não têm base comparativa. Mesmo assim, ao contrário de outros estudos desenvolvidos pelo Inep, as avaliações divulgadas agora não vieram acompanhadas de quaisquer análises ou metas a serem perseguidas pelos gestores públicos.

Em língua portuguesa, 45% dos alunos de 2º ano do fundamental atingiram nível de proficiência de até 4, de um total de 8, e 55% estão entre os patamares 5 a 8, segundo o Inep. O nível 5 de proficiência é o que reúne, individualmente, a maior parte dos alunos (21,55%). Nesse patamar, por exemplo, o aluno é capaz de localizar informação explícita em textos curtos, como bilhete e crônica, diz o Inep. Na outra ponta, só 5% atingiram o patamar máximo na disciplina.

“A avaliação é super importante, mas não é um bom dia para a política pública. A forma como a alfabetização e a matemática foram mostradas não nos permite tirar conclusões sobre como organizar o processo de ensino”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV (Ceipe/FGV).

O presidente do Inep, Alexandre Lopes, evitou sugerir diagnósticos ontem. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, participou só do início do evento e os resultados foram apresentados por técnicos do Inep.

Na comparação regional, as provas de português para o 2º ano do fundamental confirmaram cenários já conhecidos. O Ceará é o Estado que melhor alfabetiza seus alunos, com uma proficiência média de nível 5. Junto com outras 9 unidades da federação de Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o Estado nordestino está acima da média nacional na etapa.

Os dados divulgados pelo Inep também mostram que, entre os alunos do 9º ano do fundamental, 52,16% atingiram proficiência nos níveis 1, 2 ou abaixo de 1 em ciências da natureza, de uma escala que vai até 9, atingida por apenas 0,14% dos que fizeram o exame. Já em ciências humanas, 51,71% dos alunos chegaram a um nível de proficiência de até 2, de um total de 8. O domínio completo dos conhecimentos nessa matéria foi observado em apenas 0,5% dos estudantes.

“Essa é a primeira vez que temos esses resultados, então não temos histórico de comparação. Além disso, o MEC não divulgou quais os níveis que considera básico, abaixo do básico ou adequado. Ou seja, ao não categorizar os resultados, dificulta a interpretação”, afirma Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais do Todos Pela Educação.

Segundo Claudia Costin, o que fica é o sentido de urgência de que algo precisa mudar no processo de alfabetização. “A despeito de uma abordagem ideológica que foi utilizada durante certo tempo pelo MEC, vale a pena rever a forma como se alfabetiza no Brasil”, afirma ela.

Desde o início do governo Jair Bolsonaro, o MEC tem defendido o método fônico de alfabetização, que prioriza a relação entre sons e letras, e que já foi definido por integrantes do governo como a alfabetização “da direita”.

“É bom ter um olhar sobre alfabetização também em nível federal, ainda que o debate seja marcado por muitas tensões. Agora, o ideal é discutir quais são as melhores estratégias e abordagens para resolver a enorme quantidade de alunos analfabetos e deslocar o debate desse ‘Fla-Flu’”, afirma Daniela Caldeirinha, diretora de projetos da Fundação Lemann.

Segundo Daniela, a avaliação acertou ao alinhar os conteúdos à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento referencial para os novos currículos da educação básica. “O fato de a avaliação estar alinhada à BNCC orienta o trabalho das redes públicas de educação.”

A diretora do Ceipe/FGV explica que, em boa parte do mundo, está sendo abandonada a ideia de que ler e escrever é algo inato como a fala. “Não dá para achar que não é preciso ensinar a decodificar para que o aluno seja alfabetizado. Nesse sentido, estou com a Secretaria de Alfabetização”, afirma Claudia.