Valor econômico, v. 21, n. 5121, 05/11/2020. Curta, p. A9

 

Eventual 2ª onda da covid-19 exigirá revisão de gastos

Leila Souza Lima

05/11/2020

 

 

Para Manoel Pires, é importante montar uma estratégia de retirada dos estímulos fiscais, mas de forma gradual

Decisões mais acertadas quanto à retomada das atividades, bem como no tocante à escolha de políticas de estímulo à economia - tendo em vista metas de corte de gastos e equilíbrio fiscal -, serão o grande desafio imposto ao setor público, principalmente diante do virtual risco de uma segunda onda da pandemia de covid-19 no Brasil. A avaliação é de especialistas que participaram do webinar “Os impactos da pandemia na gestão pública”, promovido pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), com mediação do Valor.

“Entender o que está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos vai ser uma grande lição para a gente continuar o enfrentamento da pandemia”, afirmou Manoel Pires, pesquisador associado do Ibre/FGV.

Para o analista, no que diz respeito à retomada das atividades, as medidas adotadas no Brasil em relação à presença nas escolas precisam ser repensadas devido às implicações futuras, com aumento da pobreza e queda na renda. A opção pela volta gradual das aulas dentro dos protocolos de segurança é, para Pires, medida fundamental como política de resposta à crise econômica.

“Eles têm sido adotados lá fora e têm sido até responsáveis por evitar a aceleração da contaminação”, ressaltou ele, observando que o custo social de crianças fora da escola será muito alto para o país.

Outro aspecto levantando por Pires diz respeito aos estímulos econômicos. “Logo depois que os países tentaram uma estratégia de normalização, houve muito subsídio para consumo em setores muito afetados na pandemia”, ressaltou ele, citando restaurantes e turismo. Para o especialista, essas medidas, na verdade, aceleraram a contaminação, sem necessariamente produzir efeitos duradouros sobre a economia.

“É muito mais custo-efetivo a gente continuar com políticas que tentam preservar as empresas e proteger os trabalhadores, como foi feito na primeira onda. Isso diminuiu custos com o sistema de saúde e os próprios custos de manutenção das empresas.”

Pires defendeu que é importante montar uma estratégia de retirada desse tipo de estímulo, mas de forma gradual para que economia suporte. “O que de certa forma está sendo feito pelo governo neste trimestre”, destacou, para observar ainda que o país demorou a acertar a mão nas políticas de crédito para empresas, de forma que pudessem proteger mais o capital físico.

No âmbito de Estados e municípios, ele observou que a ampliação do sistema de saúde foi bem-sucedida, mas boa parte da arrecadação está sustentada nos estímulos - por isso a importância de determinar quais suportes financeiros serão necessários para os entes em face da situação fiscal “ delicada” do país.

Foi a agenda de reformas implementadas no Rio Grande Sul antes de a pandemia da covid-19 chegar ao Brasil o diferencial que ajudou o Estado a suportar o impacto econômico da crise sanitária, afirmou Marco Aurélio Santos Cardoso, secretário estadual da Fazenda, que participou do debate. Segundo ele, a escassez de recursos que pressiona cada vez mais os entes federativos impõe o desafio de fazer escolhas entre as despesas e de construir políticas focadas no equilíbrio fiscal.

“Até agosto, tivemos uma economia de mais de R$ 300 milhões em relação gasto nominal do ano passado, especialmente em despesas de pessoal e previdência, que tinham crescimento”, observou.

Para Flávio Ataliba, secretário-executivo de Planejamento e Orçamento do Ceará e pesquisador associado do Ibre/FGV, desburocratizar serviços e antecipar choques serão desafios para o país sobreviver à crise. Segundo ele, o modelo atrelado a excesso de normas e regulamentos engessa o setor público e dificulta a resposta às crises extraordinárias.

“Nesse aspecto, uma questão fundamental que já coloco é a necessidade que os Estados precisam ter de antecipar os choques ou ter a capacidade e flexibilidade para atenuar esses impactos”, afirmou.

Ataliba ressaltou que o Ceará já vinha em movimento de expansão dos investimentos, e que a organização fiscal minimizou os prejuízos ocasionados pela pandemia.