O globo, n. 31837, 06/10/2020. País, p. 6

 

Duelo de estratégias

André de Souza

Paulo Cappeli

06/10/2020

 

 

STF marca julgamento sobre depoimento de Bolsonaro, que corre com indicação

 O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir na quinta-feira, data da última sessão plenária com a presença de Celso de Mello, se manterá a decisão do ministro que impede o presidente Jair Bolsonaro de depor por escrito no inquérito que apura se houve interferência indevida na Polícia Federal. Enquanto isso, no Palácio do Planalto, a estratégia é acelerar ao máximo a tramitação no Senado da indicação do desembargador Kassio Marques para a vaga que será aberta com a aposentadoria do decano, em uma tentativa de que o futuro ministro passe a ser o relator da investigação.

O julgamento sobre o formato do depoimento foi marcado pelo presidente da Corte, Luiz Fux, atendendo a pedido de Celso de Mello, que se aposenta no dia 13. O decano entende que o presidente, por ser investigado no caso, não tem direito de depor por escrito — a prerrogativa é prevista nos casos em que autoridades são testemunhas ou vítimas.

A defesa de Bolsonaro recorreu da decisão. Como Celso de Mello estava de licença médica no mês passado, o ministro Marco Aurélio Mello tinha assumido o caso e levado o recurso para julgamento no plenário virtual, ferramenta em que os votos são apenas anexados em um sistema eletrônico, sem espaço de argumentação. Na semana passada, porém, Celso voltou à Corte e reformou a decisão do colega, afirmando ser necessário dar maior “publicidade” ao caso e, por isso, levando o processo para ser pautado para debate “ao vivo” no plenário.

Ontem, o decano pediu formalmente a inclusão do caso na pauta, após receber manifestação da defesa do ex-ministro Sergio Moro defendendo que Bolsonaro não deponha por escrito. O inquérito tem origem em acusações feitas pelo ex-titular da Justiça, que deixou o governo em abril. Tanto Bolsonaro quando Moro — por possível denunciação caluniosa — são alvos da investigação. Coube a Fux, na condição de presidente do STF, marcar a data.

Embora não haja nenhuma regra que permita o depoimento por escrito nos casos em que o presidente da República é investigado, há um precedente no STF. Em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso permitiu que o então presidente Michel Temer respondesse dessa forma as perguntas no inquérito que apurava supostas irregularidade no setor portuário.

No Planalto, a corrida para acelerar a aprovação do nome do substituto de Celso de Mello tem a ver com o inquérito. Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDBTO) almoçou com Kassio Marques ontem e organizou para esta semana reuniões com líderes do Senado, Casa responsável pela sabatina e pela votação.

Uma confirmação rápida pode fazer com que Kassio herde do ministro Celso de Mello a condução das investigações. Caso não haja intervalo entre a saída de um ministro e a chegada do outro, não haveria como alterar a relatoria dos processos, uma vez que todos passariam automaticamente para as mãos do recém-empossado.

Auxiliares, contudo, afirmam que Bolsonaro já trabalha com a possibilidade de Fux distribuir o inquérito para outro ministro. Ele pode fazer isso havendo pedido de alguma das partes do processo ou por avaliar haver outro motivo regimental que justifique a mudança na relatoria.

Bolsonaro e Kassio jantaram com os ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli na última terça-feira. Na ocasião, Bolsonaro apresentou seus escolhidos aos dois ministros, que demonstraram surpresa com a indicação, que viria a ser confirmada dois dias depois. No sábado, Toffoli recebeu em casa Kassio, Bolsonaro e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Assistiram juntos a um jogo de futebol e, à noite, jantaram pizza.

CRÍTICAS GERAM REAÇÃO

O presidente tem usado as redes sociais para rebater críticas à indicação. A liberação de uma licitação do STF que previa a compra de alimentos como lagostas e vinhos caros, a suposta proximidade ao PT, a pecha de “desarmamentista” atribuída ao desembargador e o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são algumas das críticas que surgiram na internet.

“Você sabe quantos ministros e secretários meus já trabalharam nos governos do PT? Você acha que eu deveria demitir o ministro Tarcísio (de Freitas, da Infraestrutura)?”, escreveu Bolsonaro anteontem.

Tarcísio de Freitas, um dos auxiliares do presidente mais festejados por apoiadores nas redes sociais, foi diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Apesar da pressão do governo, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet, anunciou que só fará a sabatina do escolhido após a saída de Celso de Mello. A ideia dos aliados do presidente é que a sabatina, a votação na CCJ e a decisão final em plenário ocorram no mesmo dia, já na semana que vem, nos moldes do que foi feito pelo Senado ao avaliar outras indicações de autoridades no mês passado. Os líderes da Casa se reunirão hoje para decidir este calendário.

Os fatos do inquérito da interferência

> Abertura Em abril, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito no STF para investigar as supostas tentativas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na PF. O inquérito teve início a partir do relato do ex-ministro Sergio Moro.

> Vídeo No mês seguinte, o ministro Celso de Mello, relator do caso, liberou o vídeo da reunião ministerial citada por Moro como uma das provas das tentativas de ingerência.

> Depoimento Em setembro, após PF e PGR solicitarem o depoimento de Bolsonaro, Celso de Mello determinou que a oitiva ocorresse presencialmente.

> Vaivém Na licença do relator, o ministro Marco Aurélio Mello enviou ao plenário virtual o recurso em que Bolsonaro pedia para depor por escrito. Celso de Mello retirou a análise do plenário virtual.