O globo, n. 31837, 06/10/2020. Economia, p. 21

 

Renda cidadã

Geralda Doca

Manoel Ventura

06/10/2020

 

 

Corte de supersalários pode gerar até R$ 15 bi para financiar programa social

Depois de uma semana de impasse sobre como financiar o Renda Cidadã, que provocou um embate entre os ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, o governo colocou no radar agora uma nova alternativa para viabilizar o substituto do Bolsa Família: cortar os supersalários de servidores federais, ou seja, os vencimentos acimado te todo funcionalismo(R $39,2 mil mensais ). A medida foi um dos assuntos do jantar oferecido ontem pelo ministro do T CU Bruno Dantas a Guedes e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A ideia é cortar tudo que for recebido acima de R$ 39,2 mil, remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida, se aprovada, tem potencial de abrir espaço no Orçamento da União entre R$ 10 bilhões e R $15 bilhões, de acordo com fontes que participam das discussões.

O relator do projeto do Renda Cidadã, senador Márcio Bittar (MDB-CE), disse que pretende apresentar amanhã uma proposta para o financiamento do programa.

O dia ontem foi marcado por uma série de reuniões para costurar uma solução para programa e terminou com o jantar que reuniu Guedes e Maia. Na semana passada, os dois trocaram farpas publicamente e estavam rompidos. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) ajudou a organizar o encontro, que contou ainda com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Após a reunião, Maia pediu desculpas a Guedes, e Alcolumbre disse que o jantar foi um gesto de reconciliação em torno da agenda.

—Na semana passada, deixo aqui o meu pedido de desculpas, fui indelicado e grosseiro. Disse ao ministro e a todos os presentes que a situação fiscal do Brasil é muito difícil, dramática, e que nós temos que estar unidos dentro do teto de gastos (que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior) —disse Maia.

Guedes reforçou o discurso de que a política dá o timing da agenda de reformas, e que será preciso criar programa de criação de empregos:

— Vamos ter que aterrissar o programa de auxílio emergencial em um Renda Brasil robusto e temos que pensar também em criar programas de empregos em massa.

Antes de falar com jornalistas, Maia defendeu o teto de gastos e disse ser necessário cortar “no músculo”. Segundo participantes do encontro, Guedes elogiou Maia, disse que não há caminho fora do teto de gastos e se comprometeu a negociar uma agenda consensual de curto prazo.

CRIVO DA EQUIPE ECONÔMICA

Além da possibilidade de limitar os supersalários do funcionalismo, a consolidação dos programas sociais continua sobre a mesa. Mas o ajuste no caso do abono salarial, por exemplo, seria marginal, diante da determinação do presidente Jair Bolsonaro para não vai tirar de pobres para dar a “paupérrimos”. Neste caso, a alternativa seria restringir o acesso ao abono, de dois salários (R$ 2.090) para um salário e meio (R$ 1.567,50), e aumentar de 30 dias para 90 dias período com carteira assinada para ter direito ao benefício.

Há no governo quem defenda ainda aumento de imposto, mas isso também não resolve, porque o maior entrave é o teto de gastos. Tributar lucro e dividendos e mexer no Imposto de Renda são outras medidas que estão em estudo. Mas não há consenso se este seria o melhor momento, diante da retração da atividade econômica impactada pela pandemia do coronavírus.

Bittar — que não foi convidado para o jantar entre Maia e Guedes —disse pela manhã que a solução a ser apresentada passará primeiro pelo crivo da equipe econômica e respeitará o teto de gastos.

Ele também é relator do Orçamento de 2021 e da proposta de emenda à Constituição (PEC) do corte de gastos.

— Não vou entrar em nenhuma ideia de como o Renda vai ser financiado. A não ser afirmar que é uma decisão de todo mundo, liderada pela equipe econômica, pelo ministro Paulo Guedes. Que a solução, qualquer que seja ela, será dentro do teto (de gastos) — afirmou, após se encontrar com Guedes.

Na semana passada, Bittar chegou a anunciar que o Renda Cidadã seria financiado com recursos do Fundeb (fundo para educação básica) e de precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça). A reação do mercado fez o governo recuar e buscar alternativas para bancar o programa.

— É dentro do teto. Todos nós estamos estudando para que a gente apresente a proposta. A ideia é apresentar na quarta-feira pela manhã, aí sim dizendo, dentro do Orçamento, de onde nós vamos tirar —disse Bittar.

O senador também se reuniu ontem com Bolsonaro, Rodrigo Maia, Luiz Eduardo Ramos e Rogério Marinho em café da manhã no Palácio da Alvorada. Guedes não participou dessa primeira reunião.

No café, Maia teria reforçado a necessidade de manter o teto e alertado sobre não ser possível encontrar uma solução “mágica” para o Renda Cidadã, de acordo com interlocutores. O deputado também defendeu a regulamentação dos chamados “gatilhos” do teto de gastos, medidas de corte de despesas focadas principalmente no funcionalismo.

Durante audiência ontem no Congresso, Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, sugeriu aos parlamentares um corte de gastos que daria uma folga de R$ 24,5 bilhões para o Renda Cidadã. Segundo ele, os gatilhos poderiam gerar economia de R$ 10,9 bilhões e a redução da jornada de servidores de 20% renderia R$ 8,6 bilhões, além de um corte de R$ 5 bilhões em subsídios.

—Essas três medidas somariam R $24,5 bilhões, o quedaria para financiar o Renda Cidadã. Vai haver uma precariedade no mercado de trabalho, muitas pessoas vão continuar sem emprego por muito tempo,  e é importante que agente tenha presente a necessidade de abarcar isso em um programa social —disse Salto.

FMI ALERTA PARA DÍVIDA

Em relatório ontem, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que a economia brasileira permanece sob riscos “excepcionalmente altos e multifacetados” eque a dívida do governo está a caminho de encerrar o ano em torno de 100% do Produto Interno Bruto( PIB ). Apesar de elogiar as medidas do governo contra a crise desencadeada pela pandemia, o FMI destacou que, sem provas “inequívocas” de que o teto de gastos seráp reservado, as despesas extras podem minara confiança do mercado e elevar os juros. Mesmo assim, o Fundo melhorou sua projeção para o país este ano, de retração de 9,1% para 5,8%.