Valor econômico, v. 21, n. 5122, 06/11/2020. Política, p. A12

 

TSE libera realização de shows para levantar fundos de campanha

Isadora Peron

06/11/2020

 

 

Decisão favorece Manuela e Boulos que terão ‘lives’ de Caetano Veloso para arrecadar recursos

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou ontem a realização de shows virtuais com artistas - as famosas “lives” - para arrecadação de recursos para campanha. Os ministros destacaram, porém, que nesse tipo de evento não pode haver pedido explícito de votos.

O entendimento foi firmado em ação apresentada por Manuela d’Ávila (PCdoB), candidata à Prefeitura de Porto Alegre, que queria realizar um evento com o cantor Caetano Veloso. Após a decisão, a “live” foi marcada para o dia 12. O show virtual também vai beneficiar o candidato do Psol à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos. Os dois vão dividir a arrecadação. Os ingressos vão custar a partir de R$ 60.

Nas instâncias inferiores, a prática havia sido proibida. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) considerou que a “live” configura showmício, o que é proibido pela legislação. Durante o julgamento no TSE, porém, a maioria dos ministros não concordou com essa avaliação. O placar foi de 6 a 1.

Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a apresentação de um artista, em tese, está amparada pelo artigo da lei que permite a candidatos e legendas comercializarem bens ou serviços, ou, ainda, promoverem eventos privados de arrecadação de verba para a campanha.

Ele, no entanto, defendeu que não pode haver “censura prévia”, mas nada impede que a Justiça Eleitoral realize controle posterior do evento, de análise de eventuais irregularidades. “Em outras palavras, em momento futuro, poderá a Justiça Eleitoral examinar as condutas praticadas durante a apresentação, a fim de que, eventualmente, em outro processo, tome as providências que se fizerem cabíveis”, disse.

O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, acompanhou o relator e defendeu que, após a proibição das doações empresariais, os candidatos precisam buscar outras formas de financiar as campanhas. “O que me parece relevante de destacar é que, na medida em que o Supremo Tribunal Federal fechou uma torneira de financiamento, acho que nós temos que ter uma posição de algum grau de flexibilidade quanto aos meios alternativos de financiamento”, disse.

Para ele, seria uma “interpretação indesejadamente expansiva” proibir o evento. “Um artista fazendo um show para arrecadar fundos para apoio a uma candidatura é uma prática legítima, que não é propaganda, que não envolve pessoa jurídica fornecendo produtos, de modo que eu veria como uma interpretação indesejadamente expansiva de uma norma restritiva nós impedirmos a realização do evento.”

O ministro Tarcisio Vieira também defendeu a medida. “A Lei das Eleições permite a doação em dinheiro ou estimável em dinheiro para campanhas eleitorais. Neste sentido, nada, rigorosamente nada impede que o artista doe seu cachê. Aliás, quando o faz com prévio anúncio ao público demonstra, a meu ver, lealdade com o espectador, que munido da informação, pode optar por comparecer ou não, ainda que virtualmente, ao evento.”

Já o ministro Marco Aurélio Mello citou o trecho de uma letra de Caetano ao votar. “É proibido proibir”, disse. Ele defendeu que a “atuação da Justiça Eleitoral não pode ser prévia, não se pode a priori dizer da consequência eleitoral para proibir-se certo ato”.

Representante do Ministério Público Eleitoral, o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, também se manifestou favorável à realização de show virtual para arrecadação.

Único voto divergente, o ministro Mauro Campbell defendeu que a apresentação guarda semelhança com os “showmícios” e que o contexto de pandemia não poderia servir para flexibilizar condutas vedadas por lei.

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Proibido proibir

Diogo Rais

Roberta Battisti Pereira

Rachel da Mota

06/11/2020

 

 

A pergunta é em qual das previsões legais se enquadra a divulgação de show do Caetano Veloso

No Tribunal Superior Eleitoral o ministro Marco Aurélio, citando a música “Proibido proibir”, de Caetano Veloso, proferiu um dos seis votos que suspenderam a proibição de show com o mesmo Caetano, mas em prol de arrecadação de recursos financeiros para as campanhas de Manuela d’Ávila em Porto Alegre e Guilherme Boulos em São Paulo. Já Caetano Veloso, citando o trecho da lei eleitoral que permite eventos para obtenção de recursos, contestou a proibição do show pela Justiça Eleitoral no Rio Grande do Sul que equiparou o evento a um showmício, o que é proibido pela legislação. Mas por que o TSE decidiu que este show não deveria, ao menos por enquanto, ser considerado um showmício?

Embora a lei eleitoral, desde 2006, tenha proibido os showmícios e eventos assemelhados que promovam candidatos, ou ainda, apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral, a Lei 13.488 de 2017 passou a permitir a promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político. Mas em qual dessas duas previsões legais se enquadra a divulgação de show do Caetano Veloso? A lei que permite ou a que proíbe?

As discussões em torno do tema ficaram ainda mais confusas quando, em agosto de 2020, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) formulou consulta ao TSE sobre a possibilidade de realizar transmissões ao vivo (“lives” eleitorais) com a participação conjunta de candidatos, atores, cantores e outros artistas. Em resposta, o TSE decidiu que a realização do evento, ainda que em meio virtual, se assemelha ao showmício e seria, portanto, vedada por lei.

Mas segundo Caetano e sua produtora, Paula Lavigne, o evento anunciado pelas candidaturas será fechado e pago, sendo revertido o valor arrecadado para as campanhas de Boulos e Manuela D’Ávila. Em “live” nas redes sociais, defenderam que este evento seria o de arrecadação. Portanto, permitido, pois não promoveria o nome e imagem dos candidatos durante o evento.

Mas como decidir se um evento, que nem aconteceu ainda, será regular ou não? Por isso o TSE decidiu quanto à forma, afirmando que, em tese, parece se enquadrar na permissão da lei por se tratar de evento de arrecadação, mas só a realização do evento que poderá refletir se será um showmício ou não. Tudo dependerá da postura dos envolvidos. Quanto mais perto do comício com show, mais longe da licitude. Quanto mais distante da reunião eleitoral, mais perto da legalidade.

Depois de ter a proibição do evento pelo juiz eleitoral em Porto Alegre e pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, faltando apenas dois dias para o show agendado, o TSE, como já foi cantado por Caetano, caminhou contra o vento e decidiu que é proibido proibir.

A campanha eleitoral não é um mal em si. Ao contrário. É graças a ela que podemos participar da política e, embora permeada por insegurança jurídica, na dúvida parece que devemos ampliar a participação e, quem sabe assim, teremos mais liberdade para inovar de forma transparente na obtenção e no uso dos recursos financeiros nas campanhas eleitorais. Afinal, nada como o tempo, tempo, tempo, tempo.

Diogo Rais é advogado, professor doutor em direito eleitoral da Universidade Mackenzie, diretor-geral e fundador do Instituto Liberdade Digital

Roberta Battisti Pereira é pesquisadora do Instituto Liberdade Digital (ILD)

Rachel da Mota é pesquisadora do Instituto Liberdade Digital (ILD)