O globo, n. 31838, 07/10/2020. Sociedade, p. 17

 

Ibama não cumpre orçamento com dano ambiental

07/10/2020

 

 

Instituto gastou menos de 40% dos recursos disponíveis este ano para fiscalização e combate a desmatamento e queimadas; especialistas preocupam-se com danos a credibilidade do país e à possibilidade de que degradação seja definitiva

 Passados nove meses de 2020, o Ibama gastou menos de 40% de seu orçamento reservado para fiscalização, controle e combate ao desmatamento e às queimadas. Enquanto isso, os incêndios já destruíram mais de 20% do Pantanal, e os índices de desflorestamento da Amazônia são os maiores da década.

Para coibir as atividades ilegais nos biomas, o órgão do Ministério do Meio Ambiente dispunha de R$ 154.730.350. No entanto, até a tarde de ontem, liquidou somente R$ 57.074.286, o equivalente a 36,8%.

Especialistas entrevistados pelo GLOBO acreditam que o Ibama não gastará até o fim do ano todos os recursos a que tem direito para evitar queimas e desmates. A baixa quantia liquidada, dizem, indica falta de planejamento para lidar com crises ambientais que já se manifestam há meses. Entre as consequências previstas estão o colapso de ecossistemas, que correm risco de não recuperar sua biodiversidade, e o impacto na imagem do país diante de investidores estrangeiros.

Questionado sobre os números dedicados a cada ação prevista no orçamento, o Ibama restringiu-se a informar que os valores relacionados a prevenção e combate de queimadas estão “incorretos”. O instituto a firmou que havia R$ 29 milhões em caixa no início do ano, dos quais foram liquidados R$ 23 milhões, ou 83%.

O comunicado, porém, não relata que o Congresso aumentou o orçamento destinado a esta finalidade para R$ 38,6 milhões. O gasto, por sua vez, foi menor do que diz a nota: R$ 16 milhões — o equivalente a 41,5% do valor disponível.

O Ibama não comentou as verbas relacionadas a ações contra desmatamento e não respondeu como pretende liquidar integralmente o orçamento contra desmate e queimadas até o final do ano.

Economista do Senado Federal, Leonardo Ribeiro considera que a esta altura do ano, dada a situação de emergência ambiental, o Ibama já deveria ter gasto 100% de seu orçamento, e apelado para um crédito extraordinário, para dar conta do combate ao desmatamento e às queimadas.

—O governo federal liberou verbas adicionais para áreas afetadas pela pandemia, como o setor de saúde pública. Para o meio ambiente, no entanto, não houve prioridade, seja para ações de controle ou prevenção — diz Ribeiro. — Outros países e investidores estrangeiros pensarão que não estamos empenhados em resolver nossos problemas.

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, destaca que menos de 36% dos recursos voltados a controle e fiscalização foram gastos. É um cenário muito diferente do visto em outros anos, onde o orçamento consumido com esta ação é historicamente alto.

— O Ibama faz cerca de mil operações por ano. Se gastou pouco, é prova de que sua ação está muito aquém da necessária — avalia Araújo. — É um ritmo baixo mesmo se considerarmos as limitações impostas pelo coronavírus, que reduziu a quantidade de equipes em campo. O governo deve planejar como liquidará sua verba. É assim que se vê a execução de políticas públicas.

PONTO DE NÃO RETORNO

O climatologista Carlos Nobre lembra que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente foi consideravelmente reduzido a partir de 2015, quando o país mergulhou em uma recessão econômica, após um período exitoso na redução do desmatamento e das queimadas entre 2005 e 2014. Após os cortes, a manutenção do ritmo das atividades se tornou inviável, o que serviu como senha para a ação de grupos por trás do desmatamento ilegal.

— Estamos próximos do ponto de não retorno da floresta, ou seja, a degradação provocada pelo desmatamento e pelos incêndios pode se tornar irreversível — alerta o climatologista.