Título: Gurgel defende poderes do MP
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 12/03/2013, Política, p. 6

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, voltou a criticar a proposta de emenda à Constituição que impede o Ministério Público de atuar em investigações criminais, conhecida como PEC da Impunidade. Ontem, na abertura de um seminário internacional sobre o papel da instituição na investigação criminal, Gurgel convocou uma coletiva de imprensa e afirmou que, caso a PEC tivesse sido aprovada antes de 2005, a Ação Penal 470, conhecida como processo do mensalão, não teria existido.

“A investigação não teria se transformado na Ação Penal 470 e não teria havido julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado, tal a importância das investigações do Ministério Público naquele caso”, disse. Gurgel enfatizou que, ao fazer essa afirmação, não pretendia minimizar o papel da Polícia Federal. Mas sustentou que grande parte do que foi apurado naquele caso decorreu da ação direta do Ministério Público.

“É uma ação penal extremamente complexa, não apenas nos aspectos jurídicos, mas no cenário político. O Ministério Público detém prerrogativas que permitem que se faça as apurações com a independência necessária. A polícia é uma estrutura colocada no Executivo e submetida hierarquicamente às autoridades do poder Executivo”, enfatizou.

Ainda falando sobre a questão da suposta falta de independência da Polícia Federal, o procurador-geral da República afirmou que grande parte da complexidade política do caso do mensalão decorre do envolvimento do partido do governo e de algumas de suas “figuras mais proeminentes”. Entre os condenados no mensalão estão o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-presidente do partido José Genoíno, hoje deputado federal.

Gurgel também afirmou que a recente tramitação da proposta nas comissões da Câmara pode representar retaliação ao trabalho do MP nas investigações sobre o mensalão. “A PEC estava hibernando em alguma comissão do Congresso. Coincidentemente ou não, quando o julgamento da Ação Penal 470 estava perto de ser concluído, essa hibernação se encerra. Pode ser só coincidência, mas pode não ser”, afirmou. Durante todo o julgamento, Roberto Gurgel cobrou do Supremo Tribunal Federal rapidez na execução das penas impostas aos condenados.

Prejuízos A PEC 37/2011 foi apresentada pelo deputado federal Lourival Mendes (PTdoB-MA). Em 27 de novembro do ano passado, a proposta foi aprovada na comissão especial criada para analisar o assunto. Na ocasião, 14 parlamentares votaram a favor da proposição e apenas dois se posicionaram contrários. A matéria está pronta para ir ao plenário da Câmara, onde precisa ser votada em dois turnos antes de ir para o Senado.

Segundo Gurgel, apenas três países proíbem o Ministério Público de conduzir investigações criminais: Uganda, Indonésia e Quênia. O procurador-geral defendeu que a aprovação da PEC prejudicaria as investigações sobre crimes de corrupção no Brasil. “Causa espanto que em um país como o nosso, em que a impunidade é considerada uma das grandes mazelas, se tente restringir o poder de investigação a uma e a outra instituição”.

Durante toda a entrevista — que durou mais de uma hora e contou com a presença de juízes e integrantes dos ministérios públicos de outros países, convidados a participar do seminário — Gurgel fez questão de ressaltar que não defende que a competência de apurar infrações penais seja exclusiva do Ministério Público. “O relacionamento da Procuradoria Geral da República com a Polícia Federal é o melhor possível. É uma relação de colaboração e de parceria”, afirmou.

O posicionamento da PGR, contrário à PEC 37, é ratificado pela entidade europeia Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades. Em carta ao Movimento do Ministério Público Democrático, António Cluny, que participou da coletiva de imprensa ao lado de Gurgel, afirmou que “tal campanha (pela aprovação da PEC) parece ainda mais estranha num momento em que o Ministério Público brasileiro é admirado em todo o mundo e especialmente na Europa, por ser um exemplo de independência e eficácia na luta contra a corrupção”.

Atuação do Ministério Público Federal

2011 2012

Inquéritos policiais e notícias criminais recebidos ou requisitados pelo Ministério Público 511.564 481.624

Devolvidos para a polícia para diligências 260.356 227.891

Arquivados 59.552 56.293

Transações penais efetivadas 2.791 2.487

Denúncias oferecidas 31.420 28.517

Termos circunstanciados recebidos ou requisitados pelo MP 9.206 8.045

Processos criminais no primeiro grau recebidos ou instaurados pelo MP 325.927 374.374

Processos criminais no segundo grau recebidos ou instaurados pelo MP 64.340 58.337

Total de processos da área criminal 1.866.507 1.879.805

Processos criminais em tribunais superiores recebidos ou instaurados pelo MP 102.770 111.365

O que diz a lei A PEC 37/2011 tira do Ministério Público a competência de atuar nas investigações criminais. Pela proposta, a condução desse tipo de apuração ficaria restrita às polícias Civil e Federal. Se a PEC chegar a ser promulgada pelo Congresso Nacional, caberá ao Ministério Público atuar apenas como titular da ação penal.. Os efeitos da emenda à Constituição teriam validade a partir da data de publicação da PEC, não interferindo em investigações criminais prévias. Ao apresentar a proposta, o deputado federal Lourival Mendes (PTdoB-MA) justificou a medida sob o argumento de que “o inquérito policial é o único instrumento de investigação criminal que, além de sofrer o ordinário controle pelo juiz e pelo promotor, tem prazo certo, fator importante para a segurança das relações jurídicas”. E afirmou que “a falta de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança pública neste processo tem causado grandes problemas ao processo jurídico no Brasil”.

Trâmite As propostas de emenda à Constituição só podem ser apresentadas pelo presidente da República, por mais da metade das assembleias legislativas dos estados ou por um terço dos deputados (171) ou dos senadores (27). No caso da PEC 37/2011, o deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA) apresentou a proposta com apoio de outros 206 deputados. Proposições desse tipo precisam tramitar nas comissões e têm que ser aprovadas em dois turnos no plenário da Câmara e do Senado. Antes de começar a valer, a medida precisa ser promulgada pelas mesas da Câmara e do Senado, em sessão conjunta e solene.