Título: A Igreja precisa participar da vida do povo
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 12/03/2013, Mundo, p. 14

À véspera do início do conclave para se escolher o sucessor de Bento XVI, o filósofo e teólogo Inácio Reinaldo Strieder, 73 anos, ex-jesuíta e autor de dezenas de livros e artigos, define a atual crise da Igreja Católica como mais de “exterioridades administrativas” do que de mensagem. “A mensagem é transformadora no mundo”, afirma. Mas a crise, entende, exige da instituição religiosa atitudes fortes e o repensar de comportamentos preservados ao longo de séculos.

Na lista, além do combate aos escândalos de pedofilia e de corrupção, aparece a necessidade de se reduzir ou acabar aspectos medievais preservados pela Igreja, como os trajes dos papas e dos cardeais. Talvez, a mais cara das mudanças à Cúria Romana, como sugere Strieder, seja quebrar a supervalorização do clero em detrimento do leigo. E valorizar as conferências episcopais, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reduzindo-se a influência dos cardeais. “À Igreja não basta falar. É preciso participar da vida do povo”, afirma ele em entrevista exclusiva ao Diario de Pernambuco/Correio Braziliense. E para esse “falar”, Strieder acredita que um papa não europeu seria importante. Apesar de ver chances de dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, no conclave, sua aposta maior é em um cardeal italiano para o pontificado.

Alguns pesquisadores classificam a atual crise da Igreja Católica como a pior de todas enfrentadas pela instituição. O senhor comunga desse pensamento? Penso que não seja a pior. A Igreja tem uma estrutura e uma forma de governar ainda medieval, enquanto o mundo, da tecnologia e da ciência, avançou muito.Há tensões e problemas acumulados, que estão aflorando e não se pode mais escondê-los. Nesse sentido, pode-se dizer que é uma crise, que é uma situação que precisa ser enfrentada a partir do caminho da humanidade, da história.

A Igreja precisa se modernizar? Não usaria o conceito de moderno porque é muito ideológico. Diria uma atualização a partir da realidade da sociedade ocidental. Têm que se abolir métodos medievais, como o método em que o padre, como alguém que fica acima, fala e o povo, abaixo, fica de cabeça inclinada sem poder interagir. Também tem que ser superada a imagem do papa carregando trajes reais. Como a Igreja vai se aproximar dos pobres se a direção mora em palácios, no Vaticano? Segregar uma classe, no caso, o clero, é típico do mundo pagão. Não é do cristianismo.

Seria bom o novo papa deixar o Vaticano e, como pregou recentemente dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, comprar uma casa na favela? A questão a pensar é: por que o Dalai Lama e outros líderes religiosos, mesmo sem aparato real, continuam com o peso de uma espiritualidade profunda? Não sei se é preciso ir à favela, mas seria bom menos aparato. Inclua nisso o fim dos núncios apostólicos. Capistrano de Abreu disse que um embaixador é um homem de bem mandado por seu país para terras longínquas para mentir a favor de seu país. E o núncio é embaixador do Vaticano. Logo, está para ocultar qualquer coisa negativa. O núncio também indica quem pode ser nomeado bispo, quando deveriam ser as conferências episcopais, que sabem quem é mais adequado e dinâmico para a região e não se escolher quem está de acordo com o pensamento de Roma.

Então, a escolha dos núncios favorece mais o poder do que o pastoreio? Sim. Se a Igreja quer superar a defasagem e se atualizar em função do que é a compreensão da vida humana, os padres também deveriam ter seus trabalhos. Se a comunidade pede para que ele se dedique a ela, tudo bem. Mas que tenham perspectivas de participação na sociedade, e não privilégios.

A crise atual da Igreja seria, nesse sentido, também de vocações por muitos padres estarem mais preocupados com o bem-estar próprio do que do rebanho? Tenho andado muito de ônibus, mas nunca vejo um padre. Dom Helder não tinha carro. Pegava carona, andava de ônibus. À Igreja não basta falar. É preciso participar da vida do povo. Entre os cardeais não tem um subdesenvolvido. Todos são rechonchudos. E o povo? Tem que haver uma outra convivência e valorização do leigo. Critica-se muito as questões do crescimento evangélico, mas elas são reação, consequência de não se ter suficiente espaço para os leigos na Igreja Católica.

João Paulo II, com aval do hoje Bento XVI, alegando o temor do comunismo, sufocou a Teologia da Libertação, que dava essa voz aos leigos. Os papas erraram? Esse é o grande problema: não confiar que o leigo possa ter uma atitude adequada. Do mesmo jeito, a Cúria Romana pensa o celibato. Sempre haverá religiosos querendo uma vida consagrada, mas isso deve ser uma opção. Não há nenhum condicionamento de Cristo para que os dirigentes da Igreja sejam celibatários.

O momento atual seria ideal para se repensar o celibato? Não só o celibato, mas outros problemas, como os escândalos sexuais. Muitos desses problemas não surgiriam com tal intensidade se houvesse pessoas bem ajustadas, casadas. Como se pode orientar uma família, se a pessoa não tem experiência. A Igreja tem que se atualizar. Fazer um agiornamento como João XXIII dizia.

Não se deveria fazer um agiornamento em relação ao papel das mulheres na Igreja? Participei de celebrações não presididas por padres que tiveram mais espiritualidade do que com eles. Deve-se repensar. Repensar como se faz a celebração da eucaristia.

O senhor acha que com o atual formato, através do Colégio de Cardeais, será possível escolher o papa ideal para enfrentar os atuais desafios da Igreja? O papa deveria ser eleito pelos bispos, e não pelos cardeais. Cardeal é tradição dos príncipes do estado pontifício. É dificil dizer quem seria o papa ideal. Talvez saia alguém que não seja apenas freio, mas que queira dar uma imagem à Igreja. Penso que será eleito um papa italiano, porque os últimos dois papas não foram da Itália, o que só aconteceu depois de 500 anos. Mas quem determina isso, em parte, são os alemães, rígidos no combate à corrupção, que deve ser enfrentada com rigor. Estão aí os escândalos do Banco do Vaticano. A força dos alemães foi mostrada nos dois últimos conclaves. Quem sugerirem agora deve ser eleito. Daí, dom Odilo Scherer (arcebispo de São Paulo), com sobrenome alemão, pode ter chance.

Chegou a hora de eleger um papa não europeu? Seria importante, mas 50% dos votos são europeus. Eles têm muito essa coisa de não confiar no “Terceiro Mundo”. Muitas vezes, entretanto, os bispos da América Latina, da África e da Ásia são mais conservadores do que os europeus.

E quais deveriam ser as primeiras ações do futuro papa? Com certeza, a primeira questão da qual o papa deve cuidar, se ele não for da Cúria Romana, e espero que não seja, é escolher os assessores. A partir disso, as coisas vão acontecer. Se ele continuar com a turma da Cúria Romana, não vai deslanchar. Se prudente, ele vai consultar as conferências episcopais sobre quais as pessoas confiáveis e aptas para assessorá-lo.

Em resumo, o senhor acha que a Igreja tem salvação? Tem. Há caminhos mostrando isso, como o diálogo com os luteranos alemães. É fundamental que se continue o diálogo. A crise atual é mais de exterioridades administrativas. Não é daquilo que é o fundamento do cristianismo. É crise da Igreja como instituição, e não como mensagem. A mensagem é transformadora no mundo.