O globo, n. 31839, 08/10/2020. Economia, p. 23

 

Oposição ambiental

Eliane Oliveira

Janaína Figueiredo

08/10/2020

 

 

Parlamento Europeu aprova emenda contra ratificação do tratado “como esta”

 O Parlamento Europeu aprovou um relatório que diz não ser possível ratificar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul na forma atual, citando preocupações ambientais. O documento, que trata da política comercial da UE, não é vinculante para os países do bloco, mas é um sinal desfavorável.

O Parlamento Europeu aprovou ontem um relatório que afirma que o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) não pode ser ratificado em sua atual forma, além de ressaltara importância de os países se comprometerem a implementar o Acordo de Paris. Uma emenda que apontava preocupação com apolítica ambiental de Jair Bolsonaro foi aprovada, masa menção ao presidente brasileiro foi retirada do texto final.

O relatório trata da política comercial da UE e não constitui uma obrigação, mas uma recomendação. O texto teve 431 votos a favor, 140 contra e 124 abstenções. Já a emenda teve 345 votos a favor, 295 contra e 56 abstenções.

Ficou, no entanto, a afirmação de que “o acordo Mercosul-UE não pode ser ratificado como está”. A emenda, da eurodeputada francesa MariePierre Vedrenne, ressaltava que o Parlamento estava “extremamente preocupado com apolítica ambiental de Jair Bolsonaro, que vai contra os compromissos do Acordo de Paris, em particular no combate ao aquecimento global eà proteção à biodiversidade”.

‘SONHO DOS LOBISTAS’

A rejeição ao acordo Mercosul-UE não é obrigatória, mas tem forte poder simbólico e reflete o ambiente extremamente difícil para a implementação do tratado, negociado ao longo de 20 anos.

Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, se não forem tomadas medidas concretas para reduzir a devastação da Floresta Amazônica, os mercados vão se fechar para o Brasil. Um dos maiores críticos da atual política externa brasileira, o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero não poupa o governo nessa questão:

— Bolsonaro está fazendo o jogo dos lobbistas europeus, que veem nele o presidente do Brasil dos sonhos.

Para Ricupero, a política ambiental do governo brasileiro pode causar problemas com parceiros como Estados Unidos, Canadá, Japão e Reino Unido. No primeiro caso, explicou, há a possibilidade de Joe Biden vencer Donald Trump na eleição presidencial, em novembro. No primeiro debate entre os dois,Biden disse que o Brasil poderá sofrer sanções econômicas por causa do desmatamento.

Para Ricupero, a política ambiental do governo brasileiro pode causar problemas com parceiros como Estados Unidos, Canadá, Japão e Reino Unido. No primeiro caso, explicou, há a possibilidade de Joe Biden vencer Donald Trump na eleição presidencial, em novembro. No primeiro debate entre os dois,Biden disse que o Brasil poderá sofrer sanções econômicas por causa do desmatamento.

Já os canadenses estão retomando as negociações para um acordo com o Mercosul e podem citara questão ambiental. E o Reino Unido estuda punições para empresas que importarem produtos oriundos de áreas recentemente desmatadas no Brasil.

—O Brasil estava tentando negociar acordos com vários países, e agora não vejo muita perspectiva de que isso possa acontecer. Todos os mercados estão se fechando — disse Ricupero.

Segundo o presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior e ex-embaixador do Brasil nos EUA e no Reino Unido, Rubens Barbosa, o acordo tem três partes: política, econômica e comercial. Ele ressaltou que a Comissão Europeia busca desvincular a parte comercial, para que apenas os dois outros segmentos sejam votados pelos Parlamentos.

Já o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral ressalta que, mesmo simbólica, a votação foi um alerta de que a situação pode piorar. Ele defende que o Brasil adote medidas na área ambiental para evitar problemas com o acordo:

— Embora seja uma votação simbólica, ela reflete a crescente relevância do tema ambiental na agenda política europeia. Sem um esforço do Brasil em implementar medidas concretas e melhorar sua imagem, o acordo dificilmente avançará no futuro visível.

Perguntado sobre o assunto, o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, disse que a emenda é reversível:

—Tudo faz parte do trabalho diplomático que tem que ser feito, vamos com calma. Levou 20 anos para ser acertado, envolve muitos interesses.

Segundo Mourão, a viagem que o governo está planejando comem baixadores e ur ope usà Amazônia pode melhorara imagem do país:

—Não é só o cara ler o que está escrito, o cara tem que entendera realidade.

INTERESSES AGRÍCOLAS

No Itamaraty, o secretário de negociações bilaterais e regionais nas Américas, Pedro Miguel da Costa e Silva, destacou que a emenda é uma manifestação política, sem caráter vinculante:

—Aqueles que votaram a favor não conhecem o acordo em detalhes nem a realidade do Mercosul. O acordo não será renegociado, mas o Brasil está disposto a cooperar com os países europeus.

Em Brasília, a avaliação é que o lobby dos agricultores europeus, especialmente os franceses, está cada vez mais forte. A questão ambiental seria usada como desculpa.

Em nota, o Ministério da Economia afirmou que a votação tratou-se de uma “manifestação de cunho político” e ressaltou que o acordo “não representa qualquer ameaça ao meio ambiente”.

Já uma fonte da área econômica disse que o governo se mantém otimista, mas admitiu que será preciso ver a repercussão da emenda nos países europeus.

Na Argentina, uma fonte que acompanhou as negociações do acordo disse que os franceses estão mais preocupados com seus produtores e com impedir a entrada de importações do Mercosul do que com a Amazônia.

Em setembro, o governo francês apresentou relatório afirmando que o acordo poderia aumentar o desmatamento nos países do Mercosul. Áustria e Holanda já se manifestaram contra o acordo.