Valor econômico, v. 21, n. 5123, 09/11/2020. Política, p. A8

 

TSE protela ações contra Bolsonaro para manter poder de dissuasão

Isadora Peron

Luísa Martins

09/11/2020

 

 

Processos em tramitação na Justiça Eleitoral funciona como um recado para o presidente, para ter à mão um instrumento em caso de conflito institucional

Apesar de parte das ações que pede a cassação da chapa Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estar pronta para ir a julgamento ainda em 2020, dois pedidos devem, estrategicamente, ser levados a plenário somente no ano que vem.

A avaliação de fontes que acompanham os processos é que o “timing” da tramitação na Justiça Eleitoral funciona como um recado para o presidente, para ter à mão um instrumento em caso de conflito institucional.

Na semana passada, o corregedor-geral eleitoral e relator dos pedidos na corte, ministro Luís Felipe Salomão, liberou para a pauta do plenário uma ação movida pela coligação de Ciro Gomes em 2018, que tem como foco as denúncias sobre disparos de mensagens em massa durante a campanha presidencial. A expectativa é de que esse e um outro processo ajuizado pelo PDT sejam examinados até dezembro.

Restarão, no entanto, duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) que têm o mesmo objeto, mas são de autoria da coligação de Fernando Haddad (PT), principal opositor de Bolsonaro no pleito passado. Essas são consideradas mais sensíveis porque poderão ser alimentadas com as provas colhidas pelo inquérito das “fake news”, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e investiga a disseminação de notícias falsas e ataques aos magistrados.

Segundo informou o tribunal, os quatro processos costumavam tramitar em conjunto, mas Salomão optou por desmembrá-los já que os do PT ainda “aguardam definição sobre compartilhamento de dados” da investigação do Supremo.

O ministro relator, Alexandre de Moraes, espera o resultado da perícia do material coletado no inquérito das “fake news” para decidir se esses elementos poderão ser utilizados também pelo TSE - o que, em tese, pode complicar a situação de Bolsonaro.

Essa investigação preocupa o Palácio do Planalto porque chegou ao entorno de Bolsonaro, inclusive ao chamado “gabinete do ódio”, núcleo que seria responsável pela criação e disseminação de notícias falsas, e com o possível envolvimento de familiares do presidente.

Cabe ao presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, colocar as ações em pauta. Ele tem seguido uma ordem cronológica e levado a julgamento os processos à medida que eles são liberados pelos relatores. Nas próximas semanas, porém, casos envolvendo as eleições municipais terão prioridade. O primeiro turno está marcado para domingo.

A escalada do confronto entre Bolsonaro e os demais Poderes começou em março, quando o presidente participou de uma manifestação que pedia o fechamento do STF e do Congresso. No mês seguinte, ele voltou a apoiar atos que pediam a intervenção militar, o que levou à abertura de um novo inquérito no Supremo, desta vez para descobrir quem organizava e patrocinava esse tipo de protesto antidemocrático.

Hoje, a relação do presidente com o Judiciário e o Congresso está menos tensa. Ele se aproximou de partidos do chamado Centrão e parou de estimular ataques a ministros do STF, algo que fez reiteradamente no primeiro semestre, especialmente após ser alvo de um inquérito para investigar se havia tentado interferir na autonomia da Polícia Federal (PF), conforme acusou o ex-ministro Sergio Moro ao pedir demissão.

Mesmo vivendo um período de trégua, a avaliação de integrantes do TSE é que arquivar de uma vez só todas as ações que podem levar à cassação da chapa daria carta branca para Bolsonaro se impor sobre os demais Poderes. Postergar a análise do caso, portanto, faz com que a “espada” permaneça sobre a cabeça do presidente e o obrigue a continuar com o tom moderado.

Ao todo, seis ações que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão ainda tramitam no TSE. Além das quatro que têm como foco o disparo de mensagem em massa, há duas que investigam o ataque a um grupo no Facebook chamado “Mulheres contra Bolsonaro” durante as eleições. Outras quatro já foram arquivadas.