Valor econômico, v. 21, n. 5123, 09/11/2020. Internacional, p. A17

 

Bolsonaro mantém silêncio sobre derrota de Trump

Andrea Jubé

Isadora Peron

09/11/2020

 

 

Uma ala dos militares e vários aliados começaram a alertar o presidente de que a demora excessiva será prejudicial ao país

Quase 48 horas depois que os principais líderes mundiais cumprimentaram o democrata Joe Biden pela vitória nas eleições americanas, o presidente Jair Bolsonaro manteve-se ontem em silêncio sobre o resultado. O mandatário brasileiro continuará agindo com moderação, conforme recomendação do Ministério das Relações Exteriores e de sua assessoria internacional.

Bolsonaro foi aconselhado pelo chanceler Ernesto Araújo e por assessores da área internacional que aguardasse o resultado oficial do pleito para se pronunciar sobre a derrota de seu aliado, o republicano Donald Trump.

Essa postura, entretanto, não é unanimidade no entorno de Bolsonaro. Uma ala dos militares e vários aliados começaram a alertar o presidente de que a demora excessiva será prejudicial ao país. A proclamação oficial da vitória de Biden só ocorrerá em dezembro. Aguardar mais um mês para se posicionar sobre a eleição americana pode implicar a perda do “timing”, com prejuízos políticos e econômicos ao Brasil.

Em paralelo, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliam que são remotas as chances de que a Suprema Corte americana interfira no resultado projetado pela imprensa.

Um ministro do STF disse ao Valor, reservadamente, que acredita que o governo brasileiro não vai demorar muito para reconhecer a vitória de Biden. Para este magistrado, é difícil que a ofensiva de Trump na Suprema Corte altere o resultado pró-democrata, que parece consolidado.

A equipe de advogados do republicano anunciou que protocolaria recursos hoje alegando fraudes nas eleições e pedindo recontagem de votos.

Em manifestação ao Valor, outro titular do STF, o ministro Marco Aurélio Mello, desejou “sucesso” ao presidente eleito Joe Biden, e afirmou que a alternância no poder é “republicana”, em uma brincadeira com o fato de o candidato vencedor ser do partido Democrata. “A alternância, eis o paradoxo, é republicana. Que o eleito seja instrumento da União: os Estados Unidos, buscando, a partir da compreensão, da temperança o entendimento”, disse Marco Aurélio.

No entanto, o ministro ponderou que não teria elementos para avaliar como será o embate na Suprema Corte americana, diante dos recursos a serem propostos por Trump. “Não conheço os parâmetros do pleito judicial. Que as instituições percebam os valores em jogo e decidam a partir de fatos.”

No sábado, poucas horas depois da projeção da vitória de Biden pela imprensa americana, quando no Brasil todos aguardavam as palavras de Bolsonaro sobre a eleição americana, o presidente brasileiro fez uma transmissão ao vivo de suas redes sociais, que não estava prevista.

Durante quase uma hora de fala, Bolsonaro aproveitou para discorrer sobre a crise de energia no Amapá, assunto que durante quase uma semana havia ignorado. Não mencionou o resultado do pleito americano, ou a derrota de Donald Trump.

Ontem, o isolamento de Bolsonaro ficou evidente depois que aliados notórios de Trump, com os quais o mandatário brasileiro busca alinhamento, cumprimentaram Biden pela vitória e lhe desejaram sucesso: os primeiros-ministros de Israel, Benjamin Netanyahu, e da Hungria, Viktor Orbán, por exemplo.

Donald Trump continua se negando a reconhecer a vitória do adversário. Ontem ele voltou a afirmar que “houve fraude eleitoral” e que “esta foi claramente uma eleição roubada”. No sábado, ele divulgou nota oficial alertando que a eleição “está longe de terminar”.

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Biden pode ter impacto na entrada do Brasil na OCDE

09/11/2020

 

 

Apesar da relação pessoal entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, os EUA não agiram para acelerar a abertura de negociações para o Brasil entrar na OCDE

A eleição de Joe Biden para a Presidência dos EUA deverá ter impacto também na acessão mais rápida ou não do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é cada vez mais importante instrumento das democracias de mercado para elaborar normas e regras na economia global.

O governo de Jair Bolsonaro vinha insistindo com os americanos para acelerar a abertura das negociações para o país entrar na organização. É algo que a Casa Branca tinha prometido mas não agiu para que isso acontecesse, apesar da ligação entre Trump e Bolsonaro.

Agora, a expectativa em Brasília é que Biden, mais pragmático, não foque no comportamento de fã de Bolsonaro e sim na estratégia de poder contar com o Brasil na OCDE ao lado de Washington em questões de governança global.

A situação está confusa na OCDE porque às vésperas da eleição nos EUA, Trump apresentou um candidato para ser o próximo secretário-geral da OCDE, para substituir o mexicano Ángel Gurría a partir de 1º de junho de 2021.

O escolhido foi Christopher Liddell, subchefe da equipe na Casa Branca, equivalente a subchefe da Casa Civil no Brasil. No total, há candidatos na OCDE, apresentados também pela Suécia, Suíça, Grécia, República Checa, Polônia, Estônia, Austrália.

Normalmente, a administração que está entrando aceita manter o candidato apresentado pelo governo anterior. Mas Liddell tem um perfil que desagrada os democratas. Assim, não seria uma surpresa se o governo Biden acabar apoiando a sueca Cecília Malmström, para quem as prioridades da organização devem ser “a retomada econômica e ecológica, a continuação da revolução digital e o crescimento inclusivo” - posição mais em linha com os democratas.

Uma vitória de Malmström poderia acelerar o processo de alargamento da OCDE. E no momento o plano é de os próximos a iniciarem negociações de entrada são o Brasil e a Romênia.

Biden anunciou durante a campanha que promoveria uma reunião de cúpula pela democracia no primeiro ano de seu mandato, em torno de compromissos e princípios nesse contexto. Essa cúpula pode ser a primeira oportunidade para Bolsonaro dar uma virada em direção ao democrata. Se ficar fora, o país estará realmente isolado.