O globo, n. 31840, 09/10/2020. Economia, p. 21

 

Classe C chega a 68% da população

Cássia Almeida

09/10/2020

 

 

Auxílio emergencial e queda de renda causaram o movimento

Com a ascensão de 15 milhões de pessoas que deixaram a pobreza impulsionadas pelo auxílio emergencial e aqueda na renda de 4,8 milhões que estavam no estrato social acima, a classe C chegou ao maior patamar histórico, com 133 milhões de indivíduos, ou 63% da população, informa CÁSSIA ALMEIDA. O cálculo é do economista Marcelo Neri, da FGV Social. Ele alerta que a mudança pode não se sustentar,pois, com o fim da ajuda financeira dada na pandemia, grande contingente sairia da classe média baixa e voltaria à pobreza. 

O auxílio emergencial e a queda de renda das famílias de classe média alta fizeram a população no meio da pirâmide de renda, a chamada classe C, chegar ao seu maior patamar histórico. Segundo estudo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, chegou a 63% da população, ou 133,5 milhões de pessoas. O melhor momento tinha sido em 2014, quando alcançou 55,10%. 

— Aumentou muito com o auxílio emergencial, com uma dose cavalar de transferência. Nove meses do auxílio representam nove anos do Bolsa Família. Com isso, 15 milhões de pessoas saíram da pobreza —comenta Neri. 

Outro motivo citado pelo economista é que 4,8 milhões de pessoas da classe média alta (que tem rendimento per capita a partir de dois salários mínimos) perderam renda e desceram para a classe C:

— Essa classe média baixa, identificada como classe C, foi alimentada por boas notícias dos pobres e más notícias de quem estava acima.

Ian Prates, sociólogo do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (Cebrap), aponta outro motivo para o aumento da classe C. Pequenos empresários sofreram muito com a crise provocada pela pandemia e acabaram passando para a classe C: 

—Donos de pequenos negócios foram muito afetados. No início da pandemia, houve dificuldade para o crédito chegar a esses empresários.

Pelo estudo, 21,4 milhões de pessoas entraram na classe C de 2019 até agosto deste ano, sendo 15 milhões que deixaram a pobreza, 4,8 milhões da classe média que perderam renda e 1,6 milhão de aumento populacional.

EFEITO ARTIFICIAL

Mas é um efeito artificial, alerta Neri. Se o auxílio emergencial acabar no fim do ano, esses 15 milhões voltam para a pobreza:

—Representa meia Venezuela. Eles vão para a pobreza e ainda com as cicatrizes do mercado de trabalho e os efeitos mais permanentes da pandemia. Saberemos quando saírem os indicadores de setembro, mês em que o valor do auxílio foi cortado pela metade.

Segundo Prates, em metade dos domicílios da classe C há algum morador recebendo auxílio emergencial:

—A classe C sem o auxílio emergencial seria dez pontos percentuais menor (53% da população ). Masa redução, com o fim do benefício, deve ser ainda maior. Muitos perderam o emprego, e a retomada deve ser lenta e puxada pelo mercado informal.

O reaquecimento da economia coma flexibilização da quarentena também ajudou a diminuir a pobreza. De 2019 até julho, saíram dessa camada 13,1 milhões de pessoas. Em agosto, mais 1,9 milhão:

— Um efeito do reaquecimento da economia ainda com auxílio emergencial mais alto —explica Neri. 

Com a retomada gradual das atividades também houve um retorno parcial para aclasse média alta. Até julho, tinham descido 5,8 milhões para a classe C. Em agosto, um milhão voltou ao topo.

Segundo Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria que estuda o movimento das classes sociais, as perspectivas para 2021 não são positivas:

—No ano que vem, amassa de renda ampliada( soma dos rendimentos de trabalho e outras fontes, como transferências do governo) deve apresentar uma forte ressaca com o fim dos repasses emergenciais. 

Assis acredita que, mesmo coma reestruturação do Bolsa Família em um novo programa social, amassa ampliada deve diminuir 4,3%:

—A retomada gradual do mercado de trabalho no próximo ano não será suficiente para garantira manutenção dos rendimentos no mesmo patamar de 2020. A expectativa é que o número de domicílios das classes De E não deves e reduzira médio prazo. Amobilidade social no Brasil deve ser lenta nos próximos anos. 

O auxílio foi o que compensou a perda de renda de Daine Mendonça. Coma quarentena, o salão em que trabalhava suspendeu as atividades, e ela deixou de ganhar os dois salários mínimos que recebia. No auge da pandemia, Daine e os três filhos sobreviveram apenas como benefício. Coma reabertura do salão, só 30% do salário foram recuperados.

— Está tudo muito incerto. Temos que tentar driblar o receio dos clientes que não voltaram a frequentar os salões. Não tenho dúvidas de que vou ter que buscar mais bicos para complementar a renda.

  ESTAGNAÇÃO NA ECONOMIA

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que há um grande dilema em relação ao auxílio emergencial, que vem tirando as pessoas da pobreza, aumentando a classe C, mas deteriora as contas públicas. Por isso, as previsões de crescimento para 2021 começam a cair:

— É um efeito artificial e localizado em 2020. Esses 65 milhões que estão recebendo R$ 600 vão diminuir de forma significativa, talvez para a casa dos 25 milhões, com valor bem abaixo dos R$ 600. Teremos o efeito rebote, reverso do que estamos vendo agora. Foi uma camisa de força que foi colocada, e o governo se aproveita politicamente. 

Segundo Vale, a retirada do estímulo também vai afetar o varejo (que chegou ao maior patamar de vendas em agosto, informou ontem o IBGE). O economista prevê alta de 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. Porém, será mais um efeito estatístico. A queda forte de quase 10% no segundo trimestre deste ano vai ajudar na comparação com 2021. 

— Tirando o efeito do segundo trimestre, voltaremos acrescer 1%, como vínhamos antes da pandemia. E isso deve acontecer de novo em 2022, com o risco fiscal. Não tem solução fácil. Precisa ajudar as pessoas, mas, pelo montante, a situação fiscal ficou muito deteriorada — comenta Vale.

Neri defende que o Bolsa Família seja turbinado, dobrando o gasto para R$ 70 bilhões. 

— Teremos de descobrir o caminho do meio. Manter o auxílio nos níveis atuais não é possível. Já estamos vendo instabilidade no mercado e fuga decapitais do país. O auxílio foi muito generoso, foca donos mais pobres, e ajudou a manter as rodas da economia girando. Achoque chegara R$ 70 bilhões seria factível. Um Bolsa Família 2.0.

“Essa classe média baixa, identificada como classe C, foi alimentada por boas notícias dos pobres e más notícias de quem estava acima” Marcelo Neri, economista diretor da FGV Social