Valor econômico, v. 21, n. 5124, 10/11/2020. Política, p. A11

 

Pedidos de votos de presidente podem ser alvos da Justiça Eleitoral

Luísa Martins

Isadora Peron

10/11/2020

 

 

Para ministros do TSE, é questão de tempo para que debate chegue à corte

As “lives” diárias que o presidente Jair Bolsonaro começou a promover para pedir votos para candidatos entraram no radar da Justiça Eleitoral. Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvidos pelo Valor ainda tratam o tema com cautela, mas acreditam que é questão de tempo para que este debate chegue à corte.

Por se tratar de uma eleição municipal, os primeiros questionamentos irão acontecer nos Estados. No Rio, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) pediu a abertura de uma apuração sobre possíveis ilícitos eleitorais cometidos em uma transmissão online protagonizada por Bolsonaro na quinta-feira, quando fez campanha para diversos candidatos, incluindo o seu filho Carlos Bolsonaro (Republicanos), que concorre ao cargo de vereador no Rio.

Um ministro do TSE afirmou que “não vê com bons olhos” o fato de o presidente fazer as transmissões de dentro do Alvorada, mas que “não tem nenhum pacote pronto” e que será preciso analisar “caso a caso”.

Um outro magistrado da corte apontou que vai ser preciso analisar o impacto dessas transmissões. “Vai ser preciso analisar se tem abuso ou não de meio de comunicação, de poder econômico, de utilização do poder público, e se efetivamente causou abalo, consequência ao pleito local, porque se isso não aconteceu, não configura o delito.”

Um ex-ministro do TSE aponta que, em princípio, não vê problema jurídico, a menos que se comprove que ele está usando recursos públicos relevantes. Segundo ele, usar a estante de livros do Alvorada como fundo para as transmissões não configuraria infração. Já o fato de ele usar outras estruturas do governo, como os equipamentos de gravação e até os intérpretes de libras, pode complicar a vida de Bolsonaro.

Especialistas em direito eleitoral acreditam que Bolsonaro está cometendo uma infração que pode resultar não apenas na cassação dos candidatos que forem beneficiados como também na inelegibilidade do próprio presidente. “Sem dúvida a postura dele é abusiva, porque ele faz a ‘live’ de dentro do Palácio”, disse a advogada Viviane Macedo Garcia, que é coordenadora institucional da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

O advogado Rafael Mota aponta ainda que a Justiça Eleitoral poderá usar um debate que está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) como baliza: se os perfis de Bolsonaro nas redes sociais são um canal institucional de comunicação ou têm caráter privado. Uma das ações que discute se o presidente pode bloquear seguidores no Twitter começará a ser julgada pelo plenário virtual do STF na sexta-feira.

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Bolsonaro cria mal-estar com líder do governo ao apoiar delegada no Recife

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

10/11/2020

 

 

Fernando Bezerra queixou-se publicamente da atitude do presidente

O presidente Jair Bolsonaro inaugurou ontem a série de “lives” diárias que pretende fazer em suas redes sociais para promover seus candidatos nas eleições municipais de domingo. Além de ter o seu “horário eleitoral gratuito” contestado na Justiça por opositores, Bolsonaro cristalizou um mal-estar com uma de suas principais lideranças no Congresso ao aparecer na transmissão ao lado de Delegada Patrícia (Podemos), candidata à prefeitura do Recife.

O apoio declarado por Bolsonaro a ela antes mesmo da transmissão motivou uma queixa pública do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), que apoia o ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM).

Bezerra foi ao Twitter na manhã de ontem para demonstrar “surpresa” com a postura de Bolsonaro e reafirmar o apoio a Mendonça Filho.

“Com surpresa, tomei conhecimento da decisão do presidente Jair Bolsonaro de apoiar a candidatura do Podemos à Prefeitura do Recife, a despeito da posição de neutralidade anteriormente assumida visando o equilíbrio no campo de oposição”, escreveu o líder. “Após comunicar o próprio Presidente, reafirmo o meu compromisso com Mendonça Filho, que possui capacidade de gestão, habilidade política e espírito público para liderar um novo ciclo político no Recife, além de estar alinhado com a agenda de retomada do crescimento do país.”

Ontem, os candidatos à prefeitura de São Paulo Orlando Silva (PCdoB) e Joice Hasselmann (PSL) acionaram a Justiça Eleitoral para que Bolsonaro seja proibido de pedir votos para seus candidatos. Na capital paulista, o presidente apoia Celso Russomanno (PRB), que vem em queda livre nas pesquisas de intenção de voto.

Ontem, Bolsonaro voltou a pedir votos para Russomanno, mas de forma discreta.

Sobre Delegada Patrícia, Bolsonaro prometeu ter “um canal direto com ela”.

Segundo pesquisa Ibope divulgada ontem, dois candidatos de Esquerda lideram as intenções de voto: João Campos (PSB), com 33%, e Marília Arraes (PT), com 21%. Eles são seguidos por Mendonça Filho (17%) e Delegada Patrícia (12%). Bolsonaro fez menção a isso.

“Alguns partidos usavam uma estrela vermelha grande e bonita. Outros usavam foice e martelo. Eu peço a vocês, não vote nesses partidos, porque o comunismo não deu certo nenhum em país do mundo”, afirmou. “Você está vendo no mundo alguns países pintados de vermelho. Não vou dizer quais são para não criar animosidades aqui. Mas você olha como está a nossa América do Sul.”

Recentemente, Argentina e Bolívia viram a esquerda voltar ao poder, em um movimento contrário à onda conservadora dos últimos anos.

“Se você quer me fortalecer, fortaleça os nossos candidatos. Assim sendo, vote na delegada Patrícia no próximo domingo", disse o presidente. “Não vai faltar torcida da minha parte, pode ter certeza.”

Bolsonaro também pediu votos, entre outros, para Marcelo Crivella (PRB) no Rio, Capitão Wagner (Pros), em Fortaleza, Bruno Engler (PRTB), em Belo Horizonte e Coronel Menezes (Patriota), em Manaus.

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Russomanno desidrata e perde apoio do próprio partido

Cristiane Agostine

10/11/2020

 

 

Candidato recebeu apenas 1,2% de recursos do fundo eleitoral; velocidade com a qual rejeição ao deputado se ampliou foi mais rápida do que em 2012 e 2016

Em queda nas pesquisas de intenção de voto e com rejeição de 47% do eleitorado, segundo o Datafolha, o deputado federal Celso Russomanno perdeu apoio até mesmo dentro de seu próprio partido, o Republicanos, na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Russomanno desidratou mais rápido nesta eleição do que nas disputas de 2012 e 2016, quando terminou em terceiro lugar, e o comando da legenda optou por afastar-se da campanha e segurar recursos para a candidatura. Russomanno recebeu R$ 1,2 milhão da legenda, o equivalente a apenas 1,2% dos R$ 100,6 milhões a que a sigla tem direito no Fundo Eleitoral. É o menor repasse partidário entre os principais candidatos na capital.

Aposta nacional do Psol nestas eleições, Guilherme Boulos recebeu R$ 2,7 milhões de seu partido, mais do que o dobro do investido pelo Republicanos na candidatura de Russomanno. Márcio França teve repasses de R$ 2,2 milhões do PSB e mais R$ 500 mil do PDT, sigla de seu vice. Até mesmo os lanterninhas na disputa receberam mais de seus partidos, como Jilmar Tatto, com R$ 4,8 milhões do PT e Joice Hasselmann, com R$ 5,9 milhões do PSL. Já o líder nas intenções de voto, o prefeito e candidato à reeleição, Bruno Covas, teve do PSDB R$ 8,1 milhões, além de R$ 3,1 milhões de outros partidos da aliança.

A divisão de recursos do diretório paulista do Republicanos entre candidatos dá uma dimensão das dificuldades enfrentadas por Russomanno. O diretório estadual deu R$ 977 mil para o deputado disputar na capital, com 8,9 milhões de eleitores, e R$ 890 mil para o candidato a prefeito em Sorocaba, Rodrigo Maganhato, concorrer na cidade com 485,9 mil eleitores.

O presidente nacional do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira (SP), tem acompanhado a candidatura em São Paulo à distância. O parlamentar evita vincular-se diretamente na disputa, a fim de preservar o apoio de diferentes partidos a sua provável candidatura à presidência da Câmara.

A articulação da candidatura começou a ser feita pelo então presidente do diretório municipal do Republicanos Marcos de Alcântara, mas o dirigente se afastou por quase dois meses para tratar um câncer e faleceu há duas semanas, em 25 de outubro. Com o partido afastado, as decisões sobre a campanha ficaram a cargo do marqueteiro Elsinho Mouco e de Russomanno, que optou por reforçar o vínculo com o presidente Jair Bolsonaro, apesar de quase metade da população de São Paulo classificar o governo Bolsonaro como ruim ou péssimo, segundo o Ibope.

Há resistência inclusive de deputados estaduais para se engajar na campanha, porque o Republicanos é da base de apoio do governador paulista, João Doria (PSDB), e participa do primeiro escalão do governo estadual. Bolsonaro é adversário de Doria e Russomanno tem atacado o tucano na disputa.

Nem o partido esperava que o candidato fosse derreter tão rápido. Na pesquisa Ibope divulgada ontem, o parlamentar foi ultrapassado numericamente por Boulos. Covas aparece com 32%, seguido por Boulos, com 13%, Russomanno com 12% e Márcio França com 10%. O candidato do Republicanos começou a campanha com 26%.

O deputado estadual Gilmaci Santos, um dos coordenadores da campanha de Russomanno em 2012, diz ainda não entender como Russomanno caiu tanto em tão pouco tempo. “É algo fenomenal”, diz. O deputado, no entanto, lembra que foi de Russomanno a decisão de se vincular a Bolsonaro e afirma que não é à toa que os dois têm um percentual de rejeição parecido em São Paulo. “Foi uma decisão particular do Russomanno, não uma decisão partidária.”

Com apoio do presidente, o candidato perdeu votos mais intensamente nesta eleição do que nas eleições de 2012 e 2016. Russomanno chega à reta final do primeiro turno com um percentual de intenções de voto menor e uma rejeição maior do que o registrados no mesmo período nas duas disputas municipais anteriores.

Em 2012, Russomanno liderou com folga a corrida pela prefeitura paulistana durante quase toda a campanha. Naquela eleição, antes do início da propaganda eleitoral, o candidato tinha 31% das intenções de voto, segundo o Datafolha, e chegou a 35% depois do início do horário eleitoral gratuito, apesar de ter um tempo menor de rádio e televisão do que seus principais adversários, José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT). A dez dias das eleições, tinha 30% e uma rejeição de 22%. O cenário só mudou na reta final do primeiro turno, quando chegou na véspera da eleição com 23% e rejeição de 30%. Nas urnas, teve 21,6% dos votos válidos.

Na eleição seguinte, em 2016, Russomanno também liderou as pesquisas, mas por um tempo menor. Antes da propaganda na TV, tinha 31% e rejeição de 18%. Com duas semanas de horário eleitoral, caiu para 26% e a dez dias do primeiro turno, chegou a 22%, mas conseguiu manter esse patamar de intenções de voto até a última semana. Na véspera da eleição, a rejeição chegou a 37% e as intenções de voto despencaram para 14% no Datafolha - resultado semelhante aos 13,6% que obteve nas urnas. Ficou novamente em terceiro lugar, na eleição em que João Doria (PSDB) venceu no primeiro turno.

Na disputa deste ano, Russomanno chegou a seu maior patamar de rejeição, 47% segundo o Datafolha. O percentual de eleitores que diz não votar de jeito nenhum no candidato deu um salto em poucas semanas. No fim de setembro, a rejeição era de 21%, mas subiu para 38% depois do início da exibição da propaganda eleitoral, em outubro. No Ibope divulgado ontem, a rejeição é de 41%.

Especialista em marketing político, Renato Dorgan, sócio presidente do Instituto Travessia, avalia que a rejeição de Bolsonaro é um dos fatores que ajudam a explicar o derretimento de Russomanno.

A gestão Bolsonaro é considerada ruim ou péssima por 48% da população, segundo pesquisa Ibope de outubro. Das 26 capitais, o governo tem uma rejeição maior apenas em São Luís (com 54%) e Salvador (65%). Em todo o país, a aprovação do governo Bolsonaro caiu durante a campanha eleitoral - período que coincidiu com a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300.

Outro ponto apontado pelo especialista - e registrado em pesquisas qualitativas de adversários do candidato - é a falta de propostas concretas. O auxílio paulistano, bandeira de Russomanno, não tem um valor definido, nem fonte de financiamento. Não há definição também dos critérios para distribuir a renda nem da duração do benefício, prometido como um complemento do auxílio emergencial - que termina em dezembro. Russomanno, no entanto, reforça que não vai detalhar a proposta na campanha. “Não tenho como prometer”, diz o candidato.