O globo, n. 31841, 10/10/2020. Sociedade, p. 15

 

Atraso no combate ao fogo

10/10/2020

 

 

Burocracia postergou envio de brigadistas

Demora. Brigadistas do governo atuam em queimada na Chapada Diamantina: convocação de profissionais foi adiada por procedimento ministerial burocrático
Relatórios do Ministério do Meio Ambiente mostram que a burocracia freou o combate às queimaduras no país, apesar dos alertas sobre as adversidades climáticas em 2020. O atraso impossibilitou a proteção dos territórios indígenas. O Ministério da Economia aprovou a contratação dos brigadistas em junho, dois meses após o recebimento do pedido. A permissão para a convocação do grupo só foi publicada em agosto, quatro meses após o prazo. Foram enviados 1.481 brigadeiros, mil profissionais a menos que o máximo permitido. O Ministério da Economia atribuiu o atraso a problemas com a documentação apresentada pelo MMA, que não respondeu. Especialistas apontam falta de planejamento.

No ano de maior registro de queimadas da última década da Amazônia e da história do Pantanal, os brigadeiros do Ibama responsáveis ​​por conter o incêndio chegaram com quatro meses de atraso. O globo teve acesso a uma série de relatórios internos do órgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA), mostrando que mudanças na legislação e uma série de registros burocráticos contribuíram para a demora dos brigadistas. A demora no envio de servidores impossibilitou a proteção de territórios indígenas e também de localidades expostas no Cerrado. A autorização para a viagem dos brigadistas recebeu aval do Ministério da Economia (ME) apenas em junho, dois meses após a matéria chegar à pasta. Foi aprovado o envio de 1.481 profissionais para as áreas de queima. O Ibama permite, por lei, a contratação de 2.520.

O órgão do MMA contou com o reaproveitamento dos brigadeiros que combateram as queimaduras na Amazônia em 2019, já que os treinamentos previstos para a formação das novas equipes foram suspensos, em função da pandemia do coronavírus. No entanto, em fevereiro, o governo federal emitiu a medida provisória 922, que descreve as condições para o trabalho temporário no serviço público. O texto impede a recontratação de pessoas que prestaram serviço, a menos que precedida de "processo simplificado de seleção de provas ou provas e títulos".

Após receber o aval do ME, o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do Ibama (Prevfogo) ainda teve que esperar até o dia 10 de agosto para a publicação de um decreto que deu a autorização definitiva para a contratação de brigadistas. Foi o capítulo final de um procedimento burocrático que, segundo especialistas, deveria ter terminado em abril.

 ANO CRÍTICO

Não faltaram avisos, nos órgãos ambientais do governo federal, de que as condições climáticas de 2020 seriam particularmente severas. O Prevfogo encaminhou o pedido de contratação de brigadistas, que seria feita sem despesas extras ao governo, ainda em janeiro. No dia 18 de março, o MMA publicou uma portaria estabelecendo um período crítico de emergência em relação aos incêndios florestais em 17 estados - entre eles, todos localizados na Amazônia Legal e Pantanal.

No dia 15 de abril, enquanto o ME analisava os contratos de envio dos Brigadeiros, a Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro) do Ibama, à qual o Prevfogo é subordinado, organizou uma videoconferência com a Fundação Nacional do Índio (Funai), informando que os Brigadeiros não deveriam chegar aos territórios indígenas antes de junho. O principal objetivo do documento foi alinhar o discurso dos dois órgãos face às condições climáticas e burocráticas: "Destaco que 2020 é o ano de maior atraso na contratação de Brigadeiros, prejudicando todas as ações de prevenção e inviabilizando o realização de queimadas prescritas em quase todas as terras indígenas ", reconheceu Dipro, referindo-se aos mecanismos legais de reforço para prevenção de incêndios, geralmente realizados no início da seca, o que seria feito em 17 territórios de população nativa. "Além disso, este ano tem se destacado pelas dificuldades de atuação dos órgãos de proteção devido à Covid-19, o aumento do desmatamento e as previsões meteorológicas desfavoráveis. Esses fatores indicam que provavelmente teremos uma das piores temporadas de incêndios florestais já registradas . "A carta acrescenta" "Desta forma, solicito o máximo esforço para a aprovação desses planos de trabalho, uma vez que são a única oportunidade para implementar as atividades de prevenção e redução de combustíveis florestais no Cerrado em tempo hábil".

Na videoconferência, a Dipro anunciou que todas as atividades relacionadas à educação ambiental, orientação técnica sob fogo e recuperação de áreas outras ações preventivas que beneficiam os povos indígenas, foram, a princípio, canceladas. Procurado pelo relatório, o ME informou que pediu mais esclarecimentos sobre a contratação de brigadistas porque o MMA "não apresentou uma série de documentos obrigatórios, conforme determina o regulamento de pedido de contratação temporária". O ME destacou ainda que o provisório medida que disciplina normas sobre contratação temporária - que impedia a convocação dos profissionais que atuavam nas Queimadas 2019 - "perdeu eficácia em 30 de junho de 2020" " O MMA e o Ibama não responderam aos pedidos de entrevista.

Em abril, o Pantanal contava com 784 focos de incêndios -23 vezes mais do que no mesmo mês do ano passado (33). Na Amazônia, o número de queimadas entre maio e julho foi superior ao verificado no mesmo trimestre de 2019. Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia, considera que a expansão das queimadas é reflexo da "falta de planejamento estratégico e plano de longo prazo de combate a incêndios ". —Desde o ano passado, toda a veiculação ficou restrita às ações emergenciais, por isso não há como erradicar as queimaduras - avalia. - Os índios são as maiores vítimas, precisam de políticas preventivas porque gafanhotos e desmatamento usam o fogo para invadir suas terras. Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente, lembra que órgãos do governo fizeram um "jogo de empurrar"

- Todos os governos sérios começam a planejar no início do ano, conversando com secretários estaduais de Meio Ambiente e Agricultura, até porque não é da noite para o dia que os ministérios vão dar os programas carimbados - explica. - Obviamente a pandemia atrapalhou a luta contra Burns, por isso os brigadeiros do ano passado deveriam ser reaproveitados. A medida provisória estava errada.

 BOIS 'BOMBEIROS'

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse ontem, em audiência pública virtual no Senado, que os incêndios no Pantanal seriam menores se houvesse mais criação de gado no bioma.

- O Boi ajuda, ele é o Bombeiro do Pantanal, porque ele que come aquela massa de grama, seja ela nativa ou plantada, e não deixa acontecer o que este ano nós tivemos. Com a seca, a água subterrânea também baixou de nível. Essa massa virou o quê? Um material altamente combustível e incendiário.